Tininha

Algumas destas redações foram publicadas no "Farol das Artes".

2006

Adeus

     Estou muito triste, tristinha, tristinha. O Zéquinha, o José, que já tamos crescidinhos, disse que eu estava muito gorda e tinha as maminhas grandes. Fiquei muito triste e chorei muito. Não foi só pelo que ele me disse, mas porque ele só me disse essas coisas chatas porque agora gosta de outra. A Olívia andava a fazer-lhe todas as vontadinhas e até o lanche lhe dá. Ela é mesmo magrinha, até se vê as costeletas dela debaixo do vestido. As pernas mais parecem canetas e são tortas. Mas ela faz tudo o que ele quer e até joga à bola com ele e traz um chocolate todos os dias. E manda-lhe bilhetes com rimas, dizendo que gosta muito dele. E etc..  Ele está mais gordo do que eu, mas diz que não, que é um rapaz forte e com músculos. Ela era minha amiga, mas agora já não é. Ainda bem que nunca andei de mão dada com ele nem lhe dei nenhum beijinho, porque agora ainda ficava mais triste por ter perdido o namorado.

 

     Também não vou ficar xatiada muito tempo, porque tenho mais coisas para pensar e fazer. Se ele quiser voltar a ser meu amigo eu vou dizer-lhe que não, que vá ser amigo das magricelas e estúpidas que lhe fazem as vontadinhas todas. E também ainda sou muito nova para namorar, porque a minha mãe diz que ainda tenho muito tempo para fazer isso e que agora tenho é de estudar e há muitos rapazes que ainda vão gostar de mim e que eu vou saber quando é que vou gostar de algum deles mesmo a sério. Pois é, mas fiquei mesmo triste, tristinha, porque agora não tenho mais nenhum rapaz que me ligue e as outras raparigas gozam comigo.

 

      Vou fazer dieta e não como mais até ficar como a Olívia. Depois vou dizer àquele palerma e gorducho que já sou mais bonita do que ela e quando ele quiser levar a minha pasta até à escola, digo-lhe que não preciso da ajuda dele e que já tenho quem a leve. Pronto, não quero falar mais disso, porque ainda estou zangada e triste, muito tristinha, mas vai passar e vou ter outros rapazes que vão gostar de mim e querer levar a minha pasta até à escola. E se eu gostar de algum vou dar-lhe a mão e fazer troça daquele gorducho e estúpido que me trocou pela Olívia palito. Oxalá que ela durante a brincadeira da bola lhe deia uma joelhada na pança e o faça vomitar o chocolate todo. Era bem feito.

 

     Ainda por cima, aquele baloufo pegou-me lêndeas e piolhos e nem cheguei a minha cabeça perto da dele. Bem, foi só uma vez, quando ele estava muito meiguinho comigo. A minha mãe disse que passou uma grande vergonha na Farmácia ao pedir champô para piolhos e teve que me catar os bichos durante dois dias. Até me queria cortar o cabelo, mas eu não deixei. Imaginem eu ir à máquina zero, então é que toda a gente ia me chamar nomes, como carequinha e até eram capazes de dizer que eu era filha do Senhor Almeida, aquele que andava sempre a pedir dinheiro ao governo para as câmaras municipais, ou de outros que aparecem na televisão com a cabeça a brilhar com as luzes das lâmpadas que põem as pessoas mais inteligentes. A minha safa foi o meu pai, que quando eu disse isto ele disse logo que nem pensar porque não admitia duvidarem da sua paternidade. Não sei o que é, mas desta vez fiquei contente por ele ter saído do computador e se ter preocupado comigo. 

 

     Pronto, vou esquecer o José e estudar, enquanto ouço uns cds da pesada, para me encher a cachola e estremecer a mioleira para ver se não penso em coisas parvas. Adeus!

 

Lisboa, 12-11-2006

 ... Buáaaaaaa... Eu quero o meu Zéquinha!!!...

Porcaria de férias

     Tou a enviar esta redacção de um café cibernético da Quarteira que o amigo do meu pai me pediu pelo telefone com muita urgência. O gaijo não actualiza a página há bué de meses e depois vem interromper as minhas férias, quando eu tava com a carola a descansar da xatice da escola.

Bem..., vamos às férias. Porcariiiiia... O mar tá frio que nem gelo, o sol perdeu as forças e o meu pai só quer saber do Mundial. Xixa, que já tou farta!!! É um cortes é o que é, porque temos de sair da praia mais cedo e à tarde não há nada para ninguém. A minha mãe tá passada e depois do almoço desaparece e anda a passear pela Marina de Vilamoura a tarde toda e só volta à hora do jantar.

 

     Mas sempre vou tendo alguma coisa de boa... é que o Zéquinha tá no mesmo empreendimento que eu e à tarde vamos juntos para a piscina e ficamos com as toalhas juntinhas na relva à volta da piscina e... não sei se devia dizer, mas aqui vai... é... é... que sem ninguém a ver-nos, que o pai dele também curte o Mundial e a mãe fica a fazer a sesta, nós... prontes!

 

     Que é que queriam saber mais? Não chega? Não digo mais nada, nem o que fazemos no escurinho depois do jantar.... eheheh... queriam, não?

 

Quarteira, 01-07-2006

A Ponte

 

      Recebi algumas cartas de pessoas a perguntar porque que é que eu não escrevia redacções todas as semanas e o que queria dizer PSD que eu pus no fim da última redacção. Eu vou explicar. Não posso escrever todas as semanas porque tenho de estudar, não é? E se não estudo lá se vai a minha semanada, que também não é grande coisa, mas sempre dá para meter dinheiro no telemóvel e dar toques às minhas amigas e falar com algumas meninas e rapazes... Não, não digo mais nada! A outra pergunta também é fácil de responder. Antes tava o PS no Governo e agora tá o PSD. Eu sou pequenina mas não sou burra e sei algumas coisas da política... até sei bué. Se antes se punha PS agora tem de se por PSD, não é?

 

     Fui com os meus pais ao Algarve por causa da ponte. Estavam todos chatiados porque são funcionários públicos e o governo não deu folga, mas mesmo assim eles faltaram, disseram que se estavam nas tintas e que iam meter um atestado médico, que o Raimundo passava. O Raimundo é um senhor que é médico e que é amigo dos meus pais e veio cá a casa jantar mais a mulher e passou o atestado enquanto tomava um wisque e fumava uma cigarrilha.

           

     Saímos muito cedo, às onze horas, por causa da outra ponte, a do 25 de Abril, onde estão a tapar os buracos, porque o meu pai não gosta de bichas.  Mas os carros eram poucos e não demorámos nada. O pior foi quando chegámos ao IQ1, depois de Olique. Ficámos parados bué de tempo, até tive tempo de ler os patinhas todos que levava. E quando quis fazer xixi tive de ir atrás de uma árvore e quase caía num buraco se a minha mãe não me tivesse segurado.

           

     A minha mãe fartou-se de gozar como meu pai, dizendo que ele não gostava de bixas mas metia-se no meio delas. Ele ficou todo irritado e perguntou ao que é que ela se referia e o que é que ela queria que ele fizesse. Ela disse que podia ter ido por outro itenário que até era mais bonito e não devia ter bichas. Ele resmungou, resmungou e saiu do carro, dizendo para a minha mãe conduzisse o carro que ele tava farto de a aturar. Tava a ver que ficava ali o resto das férias, mas como a minha mãe começou a chorar ele lá veio de novo e fomos embora.

           

     Quando chegámos ao Algarve já eram horas do jantar. Eu tava cheia de fome, mas os meus pais como tavam chatiados nenhum deles queria escolher o restaurante. Então eu disse porque é que não compravam um frango e iamos comer para casa. Acho que foi o que salvou o meu jantar, senão ia para a cama sem comer nada, como eles foram, logo que chegaram e deixaram-me a comer sozinha. Acho que as crianças devem ter mais necessidade de comer que os adultos. Mas no outro dia vi que o resto do frango tinha desaparecido. Devem ter comido depois de fazerem as pazes e quando eu já tava a dormir. Eu quando for grande não vou deixar de comer quando me zangar com o meu namorado. Era o que faltava!

 

PSD: A minha mãe diz que não corrige mais as minhas redacções e o meu pai diz que não tem paciência. Paciência, vou dar alguns erros mas espero que entendam. Também a minha mãe dava cada erro... lol

Quarteira, 01-06-2006

Carlinhos

    Sei lá quem é o Carlinhos... Fazem-me cada pergunta mais parva! Querem-me arranjar problemas com o Zéquinha, é? Mais dos que já tenho?... Mas, coitadinho do Carlinhos, nem saiu nas férias da Páscoa... Também as férias que eu passei lá para o Norte... Bem mais valia ter ficado em casa. Já contei na redacção que fiz para o sítio do amigo do meu pai e não vou contar aqui agora outra vez que já não tenho mais pachorra e paciência para falar desta Páscoa.

 

     Para fim de festa, lá encontrei o desgraçado do Zéquinha, no primeiro dia de aulas. E quando lhe perguntei porque nunca me tinha ligado, o estúpido respondeu-me se não me lembrava que tinha atirado com o telélé dele ao chão e o tinha partido no último dia de aulas antes da Páscoa... Aí eu disse-lhe que podia ter muito bem ligado do telemóvel do pai ou da mãe, ao que ele, com um ar todo enfastiado, respondeu que não lhe tinha dado jeito... Zás! Saiu chapadão. E ficámos assim, que desta vez não lhe vou pedir desculpas. Levou, embrulhou e espero que guarde bem a marca dos dedos da minha mão, que é para ver como é.

 

     O Carlinhos é que tem razão. Também acho que não vou casar nunca, que não tou para aturar estas coisas. Eh, eh, se calhar até me ia dar bem com o Carlinhos, pelo menos ele não tem telemóvel para eu espatifar... eh, eh. Mas se for tão parvo como o Zéquinha, zás... Não sei mesmo que é que me deu, que ando com vontade de bater em toda a gente. Deve ser alguma fase da idade... Não sei não. Ainda outro dia, vi um senhor, já com idade para ter juízo, na Televisão aos pontapés a uma mesa e a querer bater no árbitro... Ai, ai, porque ando tão violenta?!... O meu pai diz que é melhor levar-me ao psiquiatra, mas a minha mãe diz que é mesmo assim, que os homens precisam é de apanhar para ficarem nos eixos. Claro, o meu pai não se ficou... e eu fui para o meu quarto, antes que eles começassem aos gritos durante meia hora e depois a empurrarem-se para o quarto deles, aos gritinhos e risinhos. A princípio ainda pensava que iam ter uma cena de violência doméstica, mas como no dia seguinte apareciam inteiros e só com olheiras, deixei de me preocupar com o assunto. Acho que não batem bem... E depois eu é que preciso de psiquiatra, né?

 

Lisboa, 02-05-2006

O Zéquinha voltou

     Pois, voltou e eu tou quase sem tempo para redacções... Também o gaijo que tem este site e que é amigo do meu pai já só actualiza isto de dois em dois meses e eu tou a perder a pica. Mas até me tá a dar jeito que agora o que eu quero é recuperar o tempo perdido com o meu Zéquinha!!!!!!....

 

     Tá tão fofo, tão querido, tão... pois, até tá mais magro. Só não gosto muito daquele sotaque do Porto, mas há-de perdê-lo com o tempo e no entretanto, logo que ele abre a boca... Jiiiiiiiiinhoooo!!!

 

     Tou é xatiada com a xeta da escola, que quase nem me dá tempo de tar com o Zéquinha, com aquela história parva das aulas de substiuição, onde os sotores ficam a gaguejar, todos enervados sem saber o que fazer e dizer e ainda por cima nem respondem a perguntas giras que a gente faz. Outro dia, uma sotora fugiu da sala, toda corada e a correr, só porque o Ricardo lhe perguntou se alguma vez tinha fingido um orgasmo... Ora, ela é que tava a falar de sexo! Eles resolvem falar destas coisas e depois não explicam as coisas como deve ser... Grande invenção da Ministra da Educação. É mesmo uma cortes!

Mas eu já sei o que é um orgasmo... É quando tou com o Zéquinha... e ele me abraça e me dá muitos beijinhos e eu fico toda derretida... e me sinto muito bem assim com ele... ai, ai.

 

     E pronto, vou acabar que tenho de ligar ao Zéquinha pra dizer que gosto muito dele... Até nem vou ligar àquele sotaque do Norte. Será que tou apaixonada? Zéquinha!!!...

 

Lisboa, 04-03-2006

2005

Estou bué de Xatiada

      Fogo! Primeiro foi a coisa do amigo do meu pai que tem este site que avariou e ficou sem poder meter no texto ou no com texto, já nem lembro a explicação dele... e não pode lá por as minhas redacções desde Agosto, quando eu tinha bué de coisas para contar e agora vou ter de resumir numa única redacção. Depois, foi o desgraçado do gaijo por quem me apaixonei em Vilamoura que foi com os pais para o México, vai para dois meses, e nunca me mandou um mail que fosse. E para completar a xatice fiquei mesmo agorinha a saber que já não vamos este ano passar o fim de ano à Serra da Estrela, porque o os meus pais tão tesos. Porque é que havia de ser filha de funcionários públicos?

 

     O Rodrigo, que é filho de um embaixador, o tal por quem me apaixonei em Vilamoura, é mesmo bué de giro. Mas os pais são uns cortes, sempre a chamar por ele e a dizer-lhe para não se afastar e se tinha posto o protector solar e ter cuidado com as alforrecas, eu sei lá... No dia em que a parte de cima do bikini saiu, na confusão de uma onda grande e fiquei com as maminhas à mostra, eles olharam para mim com aquele ar de gente bem e chamaram logo o rapaz como se eu tivesse feito aquilo de propósito. Mas ele ficou nos dias seguintes sempre ao pé de mim e tivemos sempre numa boa. Só que depois de ir para o México nunca mais me ligou pevea. Olha, que se lixe, que fique com uma mexicana, que também já me esqueci dele.

 

     O Zequinha?! Sei lá do gaijo. Foi para outra escola no Porto e ainda me mandou uns emails mas eu não respondi que tava xatiada com ele, e agora também não lhe digo nada porque não tou pra dar o braço a torcer e ele ficar a pensar que pode mandar em mim... aiiii, mas tenho saudades dele. Não sei, ainda vou pensar se lhe mando as Boas Festas. Mas também de que adianta se ele não tá cá pra fazer aquela cara de parvo de andar atrás de mim a querer-me agarrar e a dar beijinhos?...  À frente, que neste Natal há uma coisa boa é que não vou à terra da minha mãe e não vou ter de aturar os avós, tios e tias e aquele primo esquisito que tá cada vez mais parvalhão. Ainda bem que os meus pais ficaram sem massa... eheh... a xatice é que não vou passar o final do ano na Serra da Estrela e ver aqueles tipos giros com fatos de neve que ficam... ficam... aiii, tenho de arranjar com urgência um novo namorado!

 

Lisboa, 15-12-2005

Vou bazar de Férias

     Adeus escola, greves dos sotores, colegas crómios, tardes de klausura, castigos por notas normais mas que os adultos acham que não prestam, mais os sermões da mãe e do pai e até adeus Zequinha porque tou já farta do gaju. Agora tá gordo que nem um texugo, sempre a comer chocolates e outras porcarias cheias de calorias e gorduras e quando o apalpo sinto que tá com mais banhas que o porco da minha tia que vive lá pra cima numa terra que nem sei o nome. Outro dia até lhe saltou um botão da camisa que me bateu num olho e fiquei quase cega de dor e também de raiva por ele ser tão estúpido e não ter força de vontade. Dei-lhe um daqueles meus tabefes e disse-lhe que não o queria ver mais na minha frente enquanto não ficasse como eu. É que eu agora tou mesmo elegante, porque fiz uma dieta e só como coisas que não engordam e pouco de cada vez. Os meus pais é que andam preocupados porque dizem que eu tou a ficar neurastecnica ou qualquer coisa assim, mas quanto me olho ao espelho agora sinto-me mesmo numa boa e tenho uma data de rapazes a olhar para mim.

 

     Comprei um bikini bué de giro para as férias, como aqueles que usam as miúdas dos Morangos com Açúcar e acho que fico mesmo uma tara. Quem sabe se não encontro numa praia do Algarve um avião loiro, de olhos azuis que me faça esquecer o palerma do Zequinha... Mas foi cá uma luta para comprar o bikini, porque a minha mãe achou que tava muito justo e que as minhas maminhas saiam do soutien, mas lá a convenci depois de uma cena de choradeira e gritaria que sei que não é de muito boa educação mas que dá resultado e pronto. E assim ainda fico mais atraente, porque as minhas maminhas são grandes mas naturais, por isso nunca vou ter de fazer nenhuma plástica para as por maiores como fazem algumas mulheres. Tou mesmo a ver-me a passear pela praia da Falésia, com aquela gente toda importante que alugam os toldos para o mês inteiro e com brutos carros no estacionamento...

     Pois... só os meus pais é que deixam o nosso xasso na casa que alugam sempre na Quarteira que até já é cidade e vamos naquela carripana que chamam de comboio porque é mais ecológico e não tem xatices a procurar um lugar. Pudera, eles não metem o xasso no parque de estacionamento e por isso tem de andar às voltas e, nas vezes que tentaram foram por o carro quase outra vez na Quarteira... É no que dá ser de uma família de tesos com mania das grandezas, que aluga casa na Quarteira e vai para uma praia de Vilamoura e à noite fica a passear pela Marina sem dinheiro para entrar nos restaurantes ou nas lojas e só tenho direito a três gelados no mês inteiro. E ainda dizem que os funcionários públicos ganham bué...

 

     Tou farta de ser pobre. Os meus pais andam à uma data de tempo a tentar ganhar o Totoloto e o Euro Milhões. Mas acho que tão mas é a ficar cada vez com menos dinheiro. Por isso vou ver se aproveito para conhecer o filho de algum casal com muita massa, porque não me tou a ver a contar os cêntimos e quero gozar a vida como deve ser quando for grande. Vamos lá ver se o meu bikini novo me ajuda... Boas férias, people, lol!

 

Quarteira, 28-06-2005

Isto tá divertido

    Ah, ah, ah... Eh, eh, eh... Tou farta de rir depois das eleições, com o que se passa cá em casa. Bom, é assim... No dia das eleições, o meu pai ia dando pulos no sofá com os resultados e ia festejando com uns copos de wisqui, acho que antes dos resultados finais já ia a mais de meia garrafa...

 

     A minha mãe quase nem abria a boca, tava toda danada e a morder a língua e só dizia: - Cala-te pá, fogo! Aí o meu pai desatava a rir e a cantar, que cada vez se entendia menos, mas era mais ou menos assim: “- Olhó Santana, Olhó Portas, quisto tá lindo... Vivó Sócrates, qué um bacana e um gajo porreiro...”. Livra, para anotar esta parte levei mais de meia hora e o resto não consegui mesmo.

 

     A minha mãe, que tava a perder a paciência, às tantas, pegou na garrafa de wisqui e despejou o resto em cima da cabeça do meu pai. Pensei que ele lhe ia dar uma coisa má, mas não, agarrou a minha mãe, que ficou a espernear ao colo dele e a arrancar-lhe os cabelos, e depois começaram os dois aos beijinhos e foram para o quarto sem sequer me dar as boas noites. Acho até que ouvi a minha mãe também a cantar já lá no quarto, mas aí é que não entendi nada mesmo.

 

     E a novidade é que nos dias seguintes a minha mãe deixou de falar do Santana e de política. E o meu pai já vai dizendo que não sabe bem se o Sócrates será capaz de... etc e tal. Raio de coisa, parece que as eleições lhes fizeram bem. Será o que é a mudança ou o novo rumo que os cartazes do PS diziam?

 

     Confesso que às vezes não percebo nada mesmo destas zangas e destas mudanças repentinas dos adultos. Eu quando me xateio com o Zéquinha fico sem falar com ele uma data de dias. Mas com os meus pais não é assim. Depois destas cenas, no dia seguinte tão todos meiguinhos e cheios de salamaleques um para o outro. Há aqui qualquer coisa que ainda tenho de aprender...

 

 Lisboa, 25-02-2005

Porque não posso votar?

     Tão a chegar as eleições e dizem-me que não posso votar porque ainda sou muito nova, que é uma maneira simpática de me dizerem que sou criança, o que me xateia muito. Porque já sou grandinha e sei muito bem em que ia votar se me deixassem. Não era de certeza naquele que a minha mãe gosta e o meu pai fica cheio de ciúmes. O homem é feio e é um troca tintas, nem sei como a minha mãe pode gostar de um homem assim, que ainda por cima é teso e não paga os impostos a tempo e ainda por cima vem dizer que isso é normal. Dahaa!... Também não ia votar naquele outro que anda sempre a prometer coisas e tem a mania que é às direitas e parece um pavão sem penas. Pois, mas não vou dizer em quem é que ia votar porque já me explicaram que o voto é secreto e não se deve dizer a ninguém. Só posso dizer que votava naquele homem simpático, com ar de filósofo e que até parece que é rico e tem uma bela casa e um carro topo de gama e não digo mais nada.

 

     Já comecei a preparar o Xiquinho para ser um grande político, mas só depois de ter muito dinheiro. Porquê? Ora essa, porque não tou para tar à espera que ele seja eleito para um cargo importante depois de uma data de anos a andar pelo país a beijar peixeiras e eleitoras passadas que ainda o podem raptar ou roubar e eu ficava sem um tostão. Primeiro fica rico e depois fica importante, porque se deve prever as coisas com lógica e antecedência. Ou julgam, que eu por não ter idade para votar sou parva? E não tou para ser como essas pindéricas que casam e descasam e andam no psiquiatra nos intervalos, com depressões e com a bolsa vazia. Quero casar, mas tenho de ter garantias da minha qualidade de vida, sem ter de me estafar muito. Gostava de casar com o Xiquinho, porque gosto muito dele, mas ele vai ter de mostrar que é capaz de me dar tudo o que eu quero. Senão... bem, ele até anda mais atinado e diz que quer ser médico plástico, o que acho que é uma profissão em que põe as pessoas mais bonitas. E como só as ricas tem massa para isso, deve vir a ganhar muito dinheiro e assim eu posso ficar em casa com tempo para ir ao cabeleireiro e às compras nas lojas xiques, para quando ele chegar a casa eu estar bonita para ele. E depois podemos passear pelo mundo inteiro e ter uma vivenda grande com piscina e uma casa de férias no Algarve ou em Espanha e uns brutos carros e...

 

     Ai, sinto-me mal, porque eu não sou nada assim... Acho que vou gostar do Xiquinho, mesmo que ele seja um desgraçado de um funcionário público, mas sonhar não custa nada, né? Só queria que não tivesse de andar a contar os euros ao fim dos mês como os meus pais e viver sem problemas e discussões, mas dava-me mesmo jeito que o Xiquinho ganhasse muito dinheiro e pertencer à classe média alta, como os pais do Aníbal que é nosso colega e que me explicou o que quer isso dizer. Porque até pagam menos impostos e ficam ainda com mais massa, porque contratam um contabilista para fazer as contas dos impostos e investem em acções de empresas que dão muitos lucros e... pronto, são gente rica e com qualidade de vida, como eu gostava de ser... Aiiiii, tou mesmo a ficar tiazinha antes do tempo... Como gostava de ter aqui comigo o Xiquinho para lhe dar muitos beijinhos!

 

Lisboa, 29-01-2005

2004

Tou prá Adopção

     O amigo do meu pai que tem o sítio para onde eu escrevo, escreveu-me uma mensagem a dizer que não tinha que fazer redações nos meses de Setembro, Outubro e Novembro, por isso não posso contar uma data de coisas giras que aconteceram na minha Escola no princío das aulas e também depois com a falta de professores e com uma prof que chegou lá e teve de ir embora um mês depois porque tinha sido trocada com o sôtôr de matemática e que tinham de andar mais de 100 kms por dia por o Ministério ter feito as listas mal. E depois a minha mãe ainda gosta do... daquele homem. Ai..., tinha tanta coisa para contar, mas agora já não dá. Culpa do amigo do meu pai, que desconfio que anda a tentar censurar as minhas redacções, como fizeram com o professor Martelo, que era parecido com o meu pai a dizer mal do governo.

 

     Pois, porque o meu pai todos os dias desanca nos ministros todos e até perde o apetite ao ver os telejornais e a minha mãe diz logo o contrário, o que o irrita ainda mais. Então eu pego no meu prato e vou para o meu quarto acabar de comer em paz e ver um progrma pra rir e ponho a televisão no máximo para não ouvir a discussão que eles têm lá na sala. Já tou a perder mas é a paciência e depois o Zequinha é que as paga. Coitado, outro dia levou mais um tabefe porque se armou outra vez em parvo, a dizer que gostava muito de uma tal Paula que estava na Quinta das Celebridades e que dava nutícias. Pra já não gosto desse programa, sempre com aquela..., aquele,... sei lá o que é, sempre a fazer palhaçadas e todos sempre na peixarada. E depois ele não pode gostar de mais ninguém, enquanto eu não autorizar e ponto final. Acho que ele, aos poucos, e com mais umas manifesações de afirmação, vai aprendendo. Eh, eh.. esta ouvi já nem sei onde, mas dá-me jeito pra manter o Zéquinha na ordem...

 

     E lá vem outra vez o Natal e os meus esquemas pra conseguir algumas coisas que me fazem falta. Queriam saber? Não digo, porque há coisas que ainda tenho vergonha de escrever. Mas vou ter de arrajar um dinheirinho para comprar uma gilette para dar ao Zéquinha, que agora passa o dia a dizer que a barba dele já pica. Então encosta a cara dele à minha e ponhe-se a perguntar se eu sinto... E eu pra não ser demancha prazeres digo que sim, mas ele ainda só tem uns pelinhos no buço e no queixo que não picam nada: Depois ele aproveita-se e... pois, quer bejinhos... Nuns dias eu dou, nos outros faço-me difícil que é pra ele não pensar que isto é tudo facilidades e quando ele quer. Uma miúda tem de saber manter as coisas controladas, não é?

 

     Ah, já me ia esquecendo, tou farta de receber recados e mails sobre aquilo que eu escrevo. Uns dizem que nem pareço ter a idade que tenho porque escrevo com palavras de adulta e outros que não ponho virgulas e que dou muitos erros. Como é que vou entender esta gente? Queriam que esta xavala escrevesse com os códigos que a gente normalmente usa? E depois os cotas iam entender o quê? Nã, não tenho pachorra de por um dicionário no fim da cada redacção, era o que faltava... Depois, eu já sei um bocado de português e quando tenho dúvidas também sei consultar o dicionário. E quando dou erros é porque não tenho pachorra de ir procurar as palavras em quatro volumes pesados pra burro e cortam o meu raciocínico e a inspiração. As vírgulas não sei por lá muito bem, isso confesso, mas também as pessoas entendem na mesma, não é? Então deixem-se lá de coisas e se preferirem vão ler os discursos dos políticos mesmo com palavras bonitas e pontos e virgulas e depois digam-me se entenderam alguma coisa... Daaa... Trol!...

 

     Prontes, já tava a estranhar o silêncio de hoje. Lá começou a discussão no pralamento cá de casa. Ai, não aguento mais, acho que vou por um anúncio num jornal a dizer que “Menina com personalidade, simpática e com boa educação aceita ser adoptada por casal sem filhos, da classe média alta, bem de finanças e que sejam do mesmo partido político”. Fogo, isto ficou lindo... E acabo aqui, desejando a todos bué de Boas Festas. Xau!

 

Lisboa, 25-11-2004

Férias

      Uaaa.... (acho que aqui deve levar uma vírgula, mas se não gostarem passem à frente), que preguiça (e aqui os pontos de exclamação pretendem dar mais força ao uaaa e à preguiça e, se quiserem, imaginem-me refastelada no sofá, só com uns calções bem curtinhos e justinhos e com a mão na boca a abafar mais um bocejo)!!! É que tou com um calor daqueles (e não há maneira de botarem ar condicionado cá em casa...) e a ver as notícias da televisão, depois de bué de dias longe da civilização, andando por sítios que nem sabia que existiam e curtindo numa boa por aqui e por acolá.

    

     Não tou louca não. É que os meus pais resolveram comprar uma caravana, porque não tinham dinheiro para umas férias decentes num qualquer lugar da Espanha ou da Itália ou da Grécia. Aqui ainda pior, porque eu até gostava de ter visto os Jogos Olímpicos e de ter pedido um autógrafo ao OblíquoWellu. E como o meu pai tem a mania dos projectos a médio prazo (não sei o que é, mas parece coisa de tesos para se esquecerem da maior falta de dinheiro ainda nos próximos anos), resolveu, com a concordância parva da minha mãe, fazer este investimento para assegurar as férias até uma promoção de ambos, que cá para mim vai durar mais do que bué de tempo. Pediram um empréstimo ao Banco (não sei qual é e mesmo que soubesse também não dizia porque não me pagam para fazer publicidade) e compraram um treco de uma espécie de mini bus, branca com riscas laranja, com um espaço interior mais aproveitado que uma barraca de habitação social para uma pessoa só. Claro que até tinha uma parabólica no telhado, que dava para apanhar montes de canais, mais do que os da TvCabo, mas o problema é que os perdia pelo caminho e então nem precisava de fazer zaapping que ela percorria os canais todos sozinha, aos saltos e com uma ruideira que me dava cabo da tola. Aproveitava então para ir lendo uma data de livros que a minha mãe trouxe e, acreditem ou não, até uma porcaria de uma coisa chamada gramática portuguesa, por isso disse aquilo da vírgula e do ponto de exclamação, se é que eu entendi o que lá dizem com as páginas a salta com os solavancos da nossa nova casa ambulante.

 

     Ainda não falei do Zéquinha?!! Ah, é que tou sem saber daquele parvalhão há quase um mês. Acho que foi para a Tailândia e China e que até ia ficar uns dias em Macau, uma terra que parece que já foi portuguesa, mas que a gente deixou. Só espero que ele não venha com os olhos em bico mais do que já tem e mais palerma do que já é. E cheio de manias a querer comer com pauzinhos e a gabar-se das coisas que andou a ver enquanto eu fiquei fechada as férias todas naquele mini quarto saltitante. E também não tou pra dizer que tenho saudades daquele... daquele... Aiiiii... que saudades!

 

     Bem, à frente. Tava a ver televisão, finalmente, não era? Até parece que houve uma revolução. A minha mãe é que tá mesmo contente. O ídolo dela que é também uma espécie de saltitão que anda de um lugar para o outro tão rápido que até o cabelo vai ficando pelo caminho, parece que agora é que manda nisto, embora não se note lá muito. O meu pai tá uma fera. Diz que o gajo não tem qualquer perfil para ser primeiro-ministro, que gosta é de... Pêra lá... Isto do perfil fez-me lembrar aquelas figuras egípcias que já estudei e... eheh... o homem de lado tem um nariz maior que, não digo da Cleópatra, mas do Júlio César, pelo menos do retrato que tenho no livro de História. Como é que a minha mãe gosta de um nariz assim não sei, mas ele também há gostos para tudo... E lá volta o meu pai a dizer que a culpa é do Presidente, que até ajudou na morte política do Ferro Rodrigues e que um tal Vitorino que tá lá fora era o ideal mas que se fez de difícil porque tá no bem bom... e que agora não há ninguém para fazer frente ao PSD... e que o Santana é amigo do Portas e vão fazer disto uma república das bananas... e que tá tudo vendido ao capital e aos grandes interesses e... a minha mãe diz que ele deve ter sido picado por um mosquito com a febre do Nilo porque está a delirar... e... Olhem, sabem que mais, acho que tou muito cansada das férias e vou é mesmo descansar, que acho que apesar de não entender nada disto começo a tar farta. Zéquinha, volta depressa, meu querido!

 

Lisboa, 07-07-2004

Eleições Europeias

     Não sei porque é que se tem de ter 18 anos para votar, porque eu gostava de votar já nas próximas eleições, porque já não gosto nada deste governo. A princípio ainda gostava daquele ministro loiro, mas com pouco cabelo, que acho que se chama Portas, porque o doutor Durão acho que é feio e tem os olhos meio tortos. Mas agora não gosto de nenhum mesmo, a presidenta da minha escola diz que não tem dinheiro nem para papel higiénico e que a culpa é do governo. Não sei se é ou não, mas já tou farta de ouvir em casa discussões sobre a crise e principalmente sobre as coisas que não me podem comprar porque os funcionários públicos não foram aumentados há já dois anos e os preços das coisas sobem todos os dias e quem paga as favas sou eu. Porque é que tinha de ser filha de dois funcionários púbicos e não de um administrador da TAP, da PT ou da EDP, como a minha colega Andreia que até vai e vem para a escola num bruto Mercedes com motorista, mesmo que a minha mãe não fizesse nada na vida, a não ser ir ao cabeleireiro, fazer as unhas e tomar chazinho com as senhoras chiques às cinco horas da tarde?

 

     O mundo é muito injusto mesmo, porque as crianças não podem escolher os pais. Ai, tou farta desta porcaria de vida e ainda por cima havia logo de gostar de um pelintra como o Zéquinha. A mãe dele ficou desempregada e nem dinheiro para uma buchinha ele tem e sou eu que tenho de dividir com ele a sandes que trago de casa. Coitadinho... e sempre vou fazendo uma dietazinha, que bem preciso. Lá ficamos ambos com fome, mas é tão bom partilhar a sandes com ele... um beijinho, uma dentadinha... ai, ai... é por isso que digo à minha mãe para não por cebola porque ele não gosta e eu não quero perder cada beijinho dele... eh, eh. Outro dia ele mastigou uma pastilha elástica e voltou a metê-la na minha boca, quando deu o beijinho, e aquilo soube tão bem que comecei a levar também uns rebuçados que havia lá em casa há muito tempo e assim vamos saboreando o mesmo durante muito tempo e de uma maneira mais doce ainda... Tou a aprender a poupar de uma maneira muita gira... Ainda bem que há crise... Iol.

 

     Cá por casa é uma complicação com as eleições. O meu pai é do PS e a minha mãe é do PSD. O que eles discutem...Péra lá, a minha mãe já não sei se ainda é do PSD, porque agora também diz mal do Durão e da Ferreira Leite e parece que já tão de acordo, mas a minha mãe não dá razão ao meu pai e continua a gostar do tal senhor Lopes, porque acha que se ele fosse o presidente as coisas seriam muito diferentes, mas não diz se para melhor ou para pior donde fico na mesma. Eu, pelo que tenho visto na televisão, acho que votava no Blog de esquerda, aqueles que não usam gravata e põem o dono do governo todo irritado e mal dispoto. Eh, eh, tive outro dia a ver o canal 44 da Tv Cabo e adorei o que eles dizem no Parlamento, aquilo é pior que o recreio na minha escola, só não chegam mesmo à batatada e usam palavrões dos adultos, que além de não serem nada originais não têm a mesma piada que os que a gente usa quando estamos xatiados. Enfim, a política dá-me fome, não sei porquê... Será porque amanhã vou partilhar com o Zéquinha dois Mon-Cherie com licor? Ai, ai...

Lisboa, 30-05-2004

Páscoa Xata

     Nestas alturas fico mais xatiada que uma zebra que perdeu as listas, entalada entre dois autocarros da Carris. Nunca ouviram esta piada? Também não me lembro bem mas acho que foi contada por um senhor que faz publicidade, porque a zebra ficou branca mas ao mesmo tempo cheia de anúncios, claro num daqueles dias em que não havia greve e mais raro quando passaram dois autocarros ao mesmo tempo. Mas eu ia era falar da Páscoa... Cada vez ando mais distraída e não sei porquê. Será porque não vejo o Zéquinha há duas semanas?... Ai, ai.

 

     Bom, então é assim... Fomos lá para cima para o Norte para casa dos meus tios, que moram numa terra esquisita que não sei dizer o nome direito e logo, depois de Coimbra começou o engarrafamento. Anda pára, anda para... e comecei a ficar com tonturas e vómitos e vontade de fazer xixi. E o meu pai teve de parar numa bomba de gasolina para eu vomitar e fazer... pois. Queriam que bebesse uma coca-cola mas eu sou contra as coisas que o Buxe vende e então bebi mesmo uma água com piquinhos que sai das pedras cá mesmo de Portugal, para ajudar a economia do nosso país. Não sei se a empresa é de cá, mas pelo menos parece não haver falta de água por enquanto e portanto mesmo que seja estrangeira não deve ir embora e deixar as pessoas no desemprego. Que é que tão a pensar?! Eu já me preocupo com as coisas e tenho olhos e ouvidos, que não sou parva nenhuma...

 

     Fogo! Mas que é que me deu?! Eu ia falar da Páscoa... Ó Zéquinha!!! Bem, depois chegámos a casa dos meus tios já tinha passado a hora do jantar e eles, coitados, à nossa espera, com o borrego já frio. Bodega de jantar, assim que provei o borrego fiquei com vómitos de novo e nem comi mais nada. O meu tio apanhou uma piela daquelas, com vinho e aguardente e resolveu contar umas anedotas e no fim dava-me uma cotoveladas a perguntar se eu tinha percebido e eu ficava cada vez mais enjoada e só me apetecia atirar-lhe com os ossos do borrego à cabeça, mas a minha mãe fazia logo uma cara daquelas e eu lá tive de aguentar, que o meu pai ainda ajudava à festa porque também tava com os copos. O palerma do meu primo só ria, ria e não dizia nada. Desconfio que quando dizia que ia à casa de banho ia mas era à garrafa de tinto que tava na cozinha, porque ele tava bem vermelhinho.

 

     Como estará o Zéquinha? Ele teve mais sorte porque foi para o Algarve. Deve estar na praia a curtir o sol numa boa e eu pra qui a aturar estes cotas todos e um primo estúpido... Ainda por cima tá sem telélé que no último dia as aulas xatiei-me com ele e atirei-o ao chão e ficou com os fios à mostra... Atirei o telélé não ele, claro. Ah, nem um doce ou uma amêndoa comi, só de olhar ficava sem vontade nenhuma de... Porque é que aquele parvo não liga do telefone da mãe ou do pai? É mesmo um atraso de vida!...

 

     E depois viemos para baixo, no Domingo à noite. Como tava muito cansada deitei-me no banco de trás e vim a dormir todo o caminho com a cabeça sobre um presunto e os pés em cima de um saco de batatas. Também só podia ser assim que por trás dos bancos da frente e do de trás tava tudo cheio com coisas da terra dos meus tios, que eles deram. Acho que os meus pais vão lá mas é para pouparem no Supermercado, porque tão sempre a dizer mal deles, mas quando eles começam a encher o carrinho à borla são logo os maiores e fazem muitos agradecimentos, abraços e beijinhos e... E não me lembro de mais nada... Será que o Zéquinha já voltou também?... Ai, ai...

 

Lisboa, 14-04-2004

Violência comigo, não!

     Ai, ai... Eu que detesto a violência, ando agora numa espiral... Esta aprendi com o Doutor Baroso, aquele que parece ser o que manda no Governo, mas eu acho que não. É o Paulinho, aquele rapaz bonito, de quem toda a gente gosta. Qual Santana, o Paulinho é lindo!!!... de morrer. Ops, se o Zéquinha sabe...

 

     Ora, também ele merece. Não é que o parvo, hoje mesmo, no intervalo das aulas, quando eu tava a escrever esta redacção para o Farol das Artes, toda concentrada, ele me disse que as minhas cuecas eram muita giras?! Acreditam nisto?!... Zás! Chapadão. Ficou a zunir que nem o gongo que o Sôtor de Música levou outro dia pra aula. Depois lá vieram as desculpas e as tentativas para eu lhe perdoar, mas eu fiz-me de difícil, que já começo a aprender que o melhor é nada de facilidades...

 

     O que me preocupa mesmo é esta espiral de violência. Em dois meses, já levei um tabefe da minha mãe e dei dois estaladões ao Zéquinha. Qualquer dia o Zéquinha vai-se queixar na Esquadra do bairro por maus tratos namorais. E eu até entendo, mas quando ele faz asneiras só me apetece mesmo... Ou queriam que fosse só eu a levar?

Pronto, tá bem, eu até fiz as pazes com ele e tentei dar-lhe um beijinho... Argg.., não é que o rapaz tinha comido cebola?!... Ou mudam a ementa da Escola ou ele vai ter de lavar os dentes depois do almoço e bochechar com aqueles líquidos azuis ou amarelos ou vai ter de esperar pelo fim de semana. Não tou para lhe dar mais uns tabefes só por causa disso. Violência comigo, não!

 

     Ah, obrigado aos Senhores do Farol das Artes, por pedirem uma redacção minha. Pelo menos, foi o que disse o amigo do meu pai que tem um Sítio na Internete e gosta dessas maluquices, que ainda não entendo, mas que gramo à brava. Quando for grande vou ter também um Sítio, só que ainda não sei bem de quê. Talvez das namoradas que nunca casam, porque por este andar ainda acabo mesmo solteira... Chuif!...

 

Lisboa, 22-03-.2004

Fogo, isto dói...

     Ainda tenho a marca da palma da mão da minha mãe na cara... Não é que ela me deu um chapadão daqueles que até vi estrelas pelos intervalos da chuva?!... Eu nem queria acreditar. Só porque lhe disse que o Santana Lopes era parvo e um fingido... Acho que ela tá a passar-se e o meu pai nem disse nada. Fui logo para o meu quarto, pensar na minha vida, que tá a ficar bera mesmo. Quando penso que tou a perceber o raciocino dos adultos e começo a meter conversa de gente crescida dá nisto. Merda, merda, merda! Ops, lá disse um palavrão, mas a verdade é que não entendo mesmo nada. Estou a crescer e cada vez mais me tratam como uma criança, sem direito a opinião. Porque não posso dizer o que penso, mesmo que seja asneira? Fogo! Só porque disse...

 

     Bom, já tou mais calma e vou contar... Tava a ver o Telejornal e deu a notícia do Santa Lopes que foi ver o Papa. O homem, o Lopes, parecia parvo, todo tolhido, sem jeito e enervado e não parava de beijar a mão do Papa e de lhe dizer coisas. O Papa até tava com comichões, porque coçava a cara e tapava os olhos. Coitado, ou não tava a gostar da oferta ou da conversa ou então era mesmo da doença, que eu sei que ele tá muito doente, coitadinho. E o Lopes sempre a falar e também a coçar o nariz, não sei se é um tique ou já tava contagiado pela comichão do Papa. Ele, o Lopes, que dizem que faz coisas à noite, pareceu-me que era parvo ou então tava a fingir. E expressei a minha opinião...

 

     Trás! Apanhei por excesso de livre opinião. Foi a explicação do meu pai quando se veio despedir de mim antes de se deitar, porque a minha mãe nem ai nem ui. Mas como eu não conseguia dormir, lá ouvi a discussão no quarto deles. Parece que a minha mãe tem uma paixão qualquer por aquele homem e o meu pai fez uma cena... Acho que se chama de ciúmes... “- Não sei porque é que gostas dum gajo daqueles!... - É bem melhor do que tu... – Não me digas, sempre tenho o nariz mais pequeno e muito mais cabelo... – E o que é que isso tem a ver? E o carisma? – Isso é um modelo da Mitsubishi!... – Olha, tu és mas é parvo e um fingido! – Ai é?! Então já te digo...”. Fiquei à espera que a minha mãe apanhasse um estaladão, mas não aconteceu nada, que eu ouvisse. Se ele lhe fez alguma coisa deve ter sido muito baixinho. Gaita, porque é que ela não apanhou se disse o mesmo que eu? Ah, pois, só eu é que tenho de pagar as más disposições deles? Fogo, criança sofre... E isto dói!...

Lisboa, 12-03-2004

Os Uliganos

     Tou fula da vida! Não é que o Zéquinha teve a pouca vergonha de me dizer que eu estava a ficar gorda? Eu?!... Tá bem que não sou anoréxica, mas sou uma chica bem constituída (perceberam o trocadilho? – Claro, e eu tou a ficar cada vez melhor nisto, eh, eh...). Levou logo um estaladão que é para ir aprendendo o que lhe pode acontecer daqui a uns anos se não baixar a garipa. Maxismos comigo não! Também apanhou e calou, que isso não é coisa que se diga a uma rapariga, mesmo que tenha uns Kilitos a mais. Não é que ele não tenha alguma razão, mas... Pronto, tá bem, ando a precisar de emagrecer um pouco, mas é tão difícil. Já tentei não sei quantas dietas, mas só de olhar para aquelas verduras todas, com uns bocados de cenoura, faz-me lembrar a quinta dos meus tios lá pró Norte e dos coelhos que não param de comer. Fico com mais fome ainda... ai, ai. Não tenho jeito para coelhinha, nem que me pagassem como fazem àquelas da revista que o meu pai lê (ou melhor vê) às escondidas na casa de banho. Por isso é que leva lá uma hora. E a minha mãe então já farta grita: “Ainda tás aí ou já foste pelo cano abaixo? Vê lá se a coelhinha ainda te morde alguma coisa que te faça depois falta!...”. Fico a pensar que ela se passou, porque o que ela diz não faz sentido nenhum. Sinceramente, às vezes não entendo mesmo estes adultos...

    

     Bom, mudando de assunto, ando a ficar neura com esta história da dieta. Até fui ao futebol com o meu pai, ver o Sporting-Porto, para ver se desanuviava, mas nada. Comecei logo mal, porque me apeteceu um cachorro quente e mais umas coisitas durante o jogo... eh, eh. Depois, o jogo foi mesmo uma porcaria, com toda a gente, até os jogadores, a dizer mal uns dos outros e a insultarem-se e até houve um senhor que rasgou a camisola de um jogador. O meu pai, depois de esbracejar e chamar uns nomes ao árbitro lá se acalmou e então foi-me dizendo, quando já vínhamos para casa, que aquilo tinha sido uma vergonha e que era muito mau sinal para o Euro 2004. E que então é que isto ia ser bonito quando viessem para cá os uliganos. Bem, eu fiquei caladinha, porque não entendo nada de futebol. Mas, nos dias seguintes vi e ouvi aquela confusão toda que houve entre os senhores do Porto e do Sporting e também o que aconteceu em Guimarães e fiquei cá a pensar se com estas coisas todas que estão a acontecer se os uliganos são tão maus assim. O melhor é não virem mesmo que isto por cá já tá tudo mesmo à batatada... eh, eh.

    

     Para fim da festa, o Zéquinha, todo murchinho, lá me veio pedir desculpas e depois... Depois do quê?!... De um beijinho, claro! Lá começou também a falar de futebol e a dizer que agora o Benfica era o melhor (porque ele antes era todo do Porto... Deve ser porque só agora ele começou a definir a sua personalidade como li outro dia numa revista da escola), apesar de não ir ganhar o campeonato e que era bem feito para o Sporting porque tinha andado a lamber as botas do Senhor Pinto e que agora levava com as ditas no... (não digo onde, por que sou educada). Que o Sporting e o Benfica deviam fazer uma união contra o Porto, porque este clube só tinha basófias e não sabia perder e um tal Moirinho era uma vaidoso e não sei mais quê... Fiquei espantada com a cultura futebólica do rapaz, ele que na escola anda sempre a mastigar as matérias, que até parece o cabrito dos tais meus tios do Norte a remoer a comida... Mas não deixa de ter alguma razão, porque para desgosto do meu pai, que a minha mãe é do Olhanense (sei lá porquê), gosto muito mais do Glorioso. Aquele homem que é Presidente dele é mesmo uma tara, com aquele bigode e aquela maneira elegante de falar... Ai, ai, acho que ainda vou gostar dos Uliganos estrangeiros....

 

Lisboa, 07-02-2004

Que chatice de vida...

     Tive um Natal pra esquecer e um Fim de Ano ainda pior. Não é que nem tive metade das coisas que pedi ao Pai Natal? Escusam de tar pra ai com risinhos, que eu sei muito bem que não há Pai Natal, mas escrevo sempre uma carta que dou ao meu pai e à minha mãe, para eles irem comprar as minhas prendas e porem ao pé da árvore que todos os anos põem no canto da sala. Eles gostam mais assim e eu não estou para os contrariar, desde que me deiam as coisas que eu quero.

    

     Mas este ano começou logo mal. O meu pai estava fora e foi a minha mãe a armar a árvore. Levou um dia inteiro e sempre a resmungar, porque não sabia como as coisas encaixavam e... nem digo o resto porque até eu fiquei a pensar que ela se tinha passado. Depois quando ele chegou puseram-se a discutir sobre o dinheiro prás prendas e sempre a dizer que não chegava e que a culpa era daquela senhora das finanças e do governo e não sei de quem mais. Tava a ver a minha vida andar pra trás e que ia ficar sem prenda nenhuma. Fiquei com raiva daquela gente toda mais da inflação mais já nem sei de quê. Acho que os meus pais ainda estão a ficar piores que os do meu Zéquinha, que são mais tesos que os carapaus que a minha mãe esquece na frigideira quando tá a dar a telenovela morangos com açúcar e que eu também gosto de ver... aquele rapaz é um pão! Ai, não digam nada ao Zéquinha!

    

     Bom, tá bem, sempre recebi algumas prendas, mas fiquei muito desgostosa porque não me deram o telelé que eu queria, para poder tirar fotografias e mandar às minhas amigas. E ainda por cima a minha avó, do lado da minha mãe, deu-me uma boneca que chora e faz xixi... Blag, além de velhota a mulher está ultrapassada, tá-se mesmo a ver que queria despertar o meu instinto maternal, mas isso vai levar bué de anos para acontecer. Os meus pais deram-me uma trotineta, que avariou uma hora depois de a ter experimentado com o Zéquinha. Ai, este rapaz, coitado, é mesmo azarado porque avaria tudo em que toca. Deve ser por isso que eu também já estou meia lelé. Ah, já me esquecia de dizer que a ceia de Natal não teve peru mas galo capão, porque a minha mãe queria peru do campo e não havia e o bicho que encontrou mais parecido em tamanho foi esse tal galo. O meu pai fartou-se de reclamar e tava sempre a dizer a toda a família que a ceia tava como o país e como toda a gente não entendia nada ele ria-se que nem um perdido e dizia que quem mandava era o lobi guei e até agora o galo era capado. Palavra, que não entendi nada, mas as outras pessoas fartaram-se de ri também. Acho que ainda não entendo muitas coisas da política.

    

     No fim de ano ficámos em casa, que nem uns tristes, a ver o fogo de artifício pelo canto da janela. Não sei se foi pelo meu pai ter partido a perna o ano passado na Serra da Estrela ou se foi pela falta de dinheiro... O que sei é que ficámos a ver a televisão, depois de um jantar de bacalhau horrível que a minha mãe dizia que tava uma delícia e o meu pai dizia que não tava mal. Quando faltavam 2 minutos para a passagem do ano, a minha mãe deu dez passas a mim e ao meu pai, enquanto ele chocalhava uma garrafa de espumante rasca que teve de meter entre as pernas para conseguir tirar a rolha e depois deixou cair metade do espumante no chão. Há dias em que não se compreendem os adultos, não é que a minha mãe em vez de lhe dar uma descasca ainda se pos a rir que nem uma parva? Também já tinha bebido uns copos de vinho tinto alentejano que o meu pai comprou a um tio do Redondo, mas não era caso para isso... Quero lá saber também, o que sei é que também tiver direito aquela porcaria do espumante, que me entrou pela boca e saiu pelo nariz e fiquei tão aflita que fui vomitar o espumante, o bacalhau e até o lanche e fiquei quase sem voz para responder ao Zéquinha quando ele me ligou a desejar um bom ano.

    

     Como é que se pode ter um bom ano assim? Que chatice de vida!...

 

Lisboa, 16-01-2004

2003

Tou quase, quase...

     Estavam a pensar o quê?!... Tou quase, quase, mas é a perder a cabeça. Não é que queria um novo telemóvel e um novo computador e os meus pais dizem que não têm dinheiro para nenhuma destas prendas de Natal? Ainda o computador que se lixe, mas o télélé é mesmo um objecto de primeira necessidade. Com que cara é que apareço lá na Escola com um telemóvel da pré-história? Vou ser o gozo de todos os colegas... Alguns já têm aquele que tira fotografias e mandam as fotos uns para os outros e ainda mensagens com toques de toda a qualidade e espécie. E eles têm aquilo que chamam satus e eu não tenho nada. Já não bastava descriminar pelas roupas de marca e agora ainda por causa da porcaria do lélés...

    

     Tou farta mesmo. Ando com roupa comprada nos ciganos e um telemóvel com a bateria sempre sem carga. Pior do que isso é que nem massa tenho para o recarregar. Porcaria de miséria... Porque é que não sou filha de um administrador da PT ou da Sonae ou de outra empresa importante, para ter direito a todas essas coisas que são essenciais a uma adolescente? E pior que tudo é o Zéquinha ser ainda mais pelintra do que eu. Acho que tenho de pensar muito bem este namoro, porque não vejo grande futuro à minha frente. O rapaz anda tão atrofiado e pesaroso que já só me faz pena. E agora que o filho do doutor Sequeira anda atrás de mim, estou a hesitar quanto ao que hei-de fazer e se não é melhor jogar pelo seguro e deixar-me de sentimentalismos. Já começo a ter idade para sobrepor a razão ao coração. Que se lixe o amor e a cabana, porque ninguém vive com essas coisas dos contos de fada. E eu quero viver a vida por cima e não com as angústias dos meus pais que andam sempre a fazer contas e a refilar com a falta de dinheiro e atirar as culpas para o Governo.

    

     E O Zéquinha?! Paciência. Há-de arranjar alguém tão pobre como ele e hão-de ser muito felizes. Eu quero ser rica, mesmo sem amor, que isso não serve para nada. Quero ter um marido importante, aparecer nas colunas sociais, com uns brutos casacos de peles, muitas jóias, ser uma VIPE. Ter um iate, passear e conhecer o Mundo inteiro, ter um carrão que dê

 nas vistas, ter uma empregada a tempo inteiro, ter um cartão de crédito sem limite de gastos, ter... ter...

     

     Ai, sinto-me tão mal!

     Lisboa, 28-11-2003

Tou deprimimida

     Mal comecei as aulas e já tou assim... Agora é que nem vou ter tempo sequer para namorar. Vou ter de ver todas as telenovelas e ainda por cima a porcaria do Big Brother. O meu pai já disse que não tá para gastar dinheiro para abrir o sinal do canal 43, que chega que eu veja o canal 44 para ter telenovela e Big Brother ao mesmo tempo. E que também não tenho idade para ver algumas cenas que ali se passam. E a minha mãe já desancou a professora de português que ficou quase a chorar e a dizer que não tinha culpa desses disparates. Claro que a minha mãe lhe pediu desculpa, porque não tinha sido ela a fazer o manual, mas disse também que estava indignada com este ensino cada vez mais rasca.

    

     Eu não sei porque é que é esta treta toda, porque eu não ligo nem a telenovelas nem ao Big Brother. Quero lá saber da vida dos outros! Tá-se bem com o meu Zéquinha e do resto não quero saber. O que sei é que isto tá a dar-me cabo da cachola, porque das poucas vezes que vi o Big Brother, com aquela senhora com a cabeça maior que o corpo e os dentes para fora, fiquei sem saber se havia de rir ou chorar com tanta parvoíce e malvadezes entre eles. Pareceu-me até que estava a ver os macacos no Jardim Zoológico.

           

     Por isso tenho andado muito deprimida. A minha mãe já disse que era melhor levar-me ao psi.. qualquer coisa, que o meu pai diz que é o médico dos maluqinhos. Maluqinha eu ainda não tou, mas tou quase, se isto continua assim. E o meu Zéquinha também anda triste, coitadinho. Tá mais magro ainda e anda a ter conversas que eu não tou a entender nada. Acho que ainda tá mais choné do que eu. Outro dia, perguntou-me o que é que eu achava das condições do ensino e do papel do Estado na formação dos jovens. Nem respondei e dei-lhe um beijinho na testa. Acho que é o pai dele que lhe anda a meter coisas na cabeça.

           

     Não sei como é que isto vai acabar, mas à cautela já pedi aos meus pais para me porem um televisão no meu quarto, porque como o ensino assim exigente quem não vê televisão fica mesmo ignorante. Depois, se eu ficar brutinha e inculta como a people do Big Brother, vou às fuças a quem me vier dizer que pertenço a uma geração rasca.

 

Lisboa, 14-10-2003

Ai. que ricas férias

     Porque é que as coisas boas passam sempre depressa e sabem a pouco? Já tinha sentido isso, mas este ano... ai, este ano... não há direito! Duas semaninhas, que acho que não passaram de apenas dois dias. Ora, lá tão vocês a dizer que tou a exagerar e que tenho mais uma data de férias e se não estive mais tempo na praia é porque os meus pais são uns pobrezinhos sem cheta. Como aqueles que vêm nem sei donde e ficam a dizer mal dos algarvios. Que demoram muito a servir as refeições, que não entendem nada de turismo, que até são mal educados e depois admiram-se das algarviadas e de lhe chamarem turistas de pé desclaço.

    

    O meu pai e a minha mãe também barfustam às vezes, por causa das bichas e porque sobem os preços e metem brasileiros e gente que às vezes nem se entende, que devem ser russos ou coisa parecida. Coitadas das pessoas que vêm para cá para ver se melhoram a vida... No empreendimento onde temos a nossa casa no Algarve, o jardim e a piscina são tratados por dois ucranianos, se é que entendi bem a conversa do senhor Administrador do Domínio que estava muito contente, porque um é médico e o outro é engenheiro.  Tanbém não sei qual é a vantagem porque outro dia uma menina esfarrapou uma perna e tiveram de levá-la para o Hospital de Faro e o jardim está a ficar como a cabeça do meu pai. E as flores nem as abelhas atraem, o que até nem é má ideia, eh, eh...

    

     O pior ainda são as entradas para os prédios, que estão sujas como antes. Tá visto que isto não é coisa para médicos nem engenhieiros, mas também parece que não há mais gente para fazer estes serviços, que os portugueses ficaram muito importantes e preferem receber o subsídio de desemprego. Este foi o tema de mais uma discussão entre os meus progenitores (Ena, tou cada vez melhor!). Só prestei antenção quando a minha mãe disse que o meu pai tava cada vez mais do lado do patronato. Porque o problema era que não queriam pagar o que era justamente devido aos trabalhadores. Ao que o meu pai, já chateado que nem um perú em vésperas de Natal, respondeu que até podia ser, mas também lhe sabia bem pagar menos domínio por ano. Não sei como é que acabou a conversa porque peguei na toalha e fui refrescar-me para a piscina, mas acho que este país está uma grande confusão. Mas hei-de pensar nisso melhor um dias destes.

    

     E sabem com quem é que fui à piscina?! Com o meu Zéquinha. No último dia das nossas duas semanas de férias juntinhos. Por isso é que disse que as férias tinham sido curtas e sabido a pouco. Entenderam agora? Fomos à praia todos os dias e brincámos muito juntos. O que é que fizémos mais?!... Não queriam mais nada, não? Essa parte não entra na redacção, mas podem tentar adivinhar no desenho que eu fiz... eh, eh. Adeus!

 

Quarteira, 21-07-2003

Gelado

     Oi, pessoal! Estou muito contente, porque já cheguei a Gondomar. Não por convite do senhor Major, mas de um amigo do amigo do meu pai. Parece até que o jornal onde saem as minhas redacções, e que se chama Progresso, é mesmo pobrezinho, porque não tem subsídio daquele tal senhor. Não sei porquê, porque eu não me meto em políticas, mas acho mal. Todos os jornais deviam ter um subsídio igual e este ainda mais, porque é para ele que eu escrevo e que também publica os meus desenhos. Mas não faz mal, se o tal senhor Major não dá também não faz falta.

    

     A mãe do meu pai, que era minha avó, dizia que mais valia ser pobre mas digno. Até agora nunca tinha entendido isso muito bem, mas acho que agora já começo a entender. Sei que pode dar um bocado mais de trabalho, mas também dá maior satisfação, porque se pode também andar de cabeça mais levantada. E isso é muito bom. Viva o Progresso de Gondomar! Ena..., acho que começo a ficar mais crescida... eh, eh.

    

     Mas cá eu não me meto em politiquices. Quero lá saber do Major e de outros assim! Quero mas é saber do meu Zéquinha agora. Tou a gostar cada vez mais dele. É mesmo um fofinho... ai, ai. Outro dia até já me falou em casar. Eu fiquei sem saber que resposta lhe dar, porque traz muitas responsabilidades e complicações. E os filhos?... Nã, nã, nem pensar, que dão muito trabalho.

    

     E depois ele acha que quer ser político. Que chatice! Não é porque não ache que ele não tem jeito, porque até me vai convencendo, mas é porque não tou virada prái. Se ele pensa que lhe vou ler um poema na campanha eleitoral que fale do cherne ou de outro peixe qualquer, está muito enganado. Não sou nada para fábulas e muito menos para histórias da Carochinha. E quem me garante que ele promete, como aquele da mulher que disse o poema e depois vem dizer que... e etc..  Bom, acho que o melhor é não casar mesmo. Também não tem mal nenhum. Não é?

    

     Já nem sei o que queria dizer, porque só queria falar de Gondomar, a rota do ouro. Pelo menos é o que está escrito na página da Câmara Municipal. Agora é que não entendo mesmo porque é que o meu jornal não tem subsídio. Deve ser por ser rota mesmo. O ouro passa por lá, mas não fica... Uau!!!... O Porto Ganhou!... É que eu tava a ver o jogo enquanto fazia esta redacção, por isso ela não deve ficar grande coisa, mas também já não tenho tempo para ver as asneiras. E depois, acho que me desculpam por eu ainda ser pequenina. Não é que eu seja do FCP, mas quando joga qualquer equipa portuguesa no estrangeiro eu quero que ela ganhe o jogo.

    

     O meu pai diz-me que é bom a gente se afirmar como portugueses. Não sei muito bem o que quer dizer, mas sinto que é nestas ocasiões que ficamos todos mais unidos. Pena que não sejamos sempre assim, porque havia tantas coisas bonitas que a gente podia fazer, cá dentro e lá fora. Não era?! Mau!.. Tá pralí a minha mãe a dizer que foi porque os escoceses bebem muito wisqui e depois ficaram sem pernas, mas eu só os vi beber água. Ela é uma Sportinguista ferrenha e o pai diz que se tem de dar um desconto, porque os benfiquistas são os que melhor entendem o sentimento nacional. Fiquei na mesma, por isso não sou de nenhum clube. Para dizer a verdade, eu não gosto muito de futebol, mas ri que me fartei quando entrou aquele senhor que mostrou um cartão vermelho ao árbitro e se despiu e ficou com tudo à mostra. Que coisa!... Bom, já chega de asneiras, via o FCP e vou dormir, sonhando com o meu Zéquinha... Mas antes vou comer um gelado, por causa das coisas!

 

Lisboa, 21-05-2003

Ai, ai, ai...

     Tou quase... Sei que ainda tenho de estudar muito e fazer muitos exames, mas com este solinho bom que começou a aparecer, já sinto o cheirinho das férias grandes. Já comprei um bikini muito bonito, azul com riscas brancas. Ainda pensei num branco com listas pretas, mas ainda ia parecer uma girafa e depois o meu Zéquinha é todo do Porto. E já tou a tratar dos pêlos, com a cera da minha mãe, só que isto dói que se farta. Não sei porque é que as mulheres nascem com pelos se depois tem que se fazer depilação... Ainda outro dia o meu pai queria ir à praia e a minha mãe ficou toda zangada porque ainda não tinha tirado os pelos debaixo dos braços e das pernas e debaixo da parte de baixo do bikini. Então ele disse que isso não tinha importância nenhuma, porque ninguém ia ligar a isso. E ela respondeu que nem pensar, que não ia para a praia assim, como uma ursa fugida do Zoológico. O meu pai fartou-se de rir e eu também, porque na verdade ela tem mais pelos que ele, que nem no peito tem e só uns, que quase nem se vêm, na barriguinha.

    

     Quando falei nisto ao Zéquinha ele também se pôs a rir e disse que não via pelos nenhuns em mim e pôs-se a tentar levantar as minhas saias para ver melhor as minhas pernas. Levou logo uma estalada que até viu mas foi umas estrelinhas no intervalo de duas aulas, logo pela manhã. É mesmo atrevido, mas gosto muito dele. Ainda por cima vai passar uma semana de férias comigo no mês de Agosto. Vamos ficar na praia dos Olhos de Água, deitados na areia, ao lado um do outro e tomar banho juntos. Nem sei o que pode acontecer... Ai, ai...

           

     A minha mãe agora anda na depiladeira eléctrica. Diz que assim não precisa de andar a rapar os pelos todos os anos, mas o meu pai não gostou lá muito desta história, porque diz que não entende porque não pode mostrar-se na praia e já pode mostrar-se no consultório do médico. Ela respondeu que aquilo era uma coisa séria e que ele estava era com ciúmes. Ele nem disse mais nada, levantou o jornal e fingiu que estava a ler, mas eu sei que ele estava mesmo chateado e só não disse mais nada porque anda no ginásio e num solário para quando for para a praia não ter a tal barriguinha, porque ele é muito vaidoso. Que mania esta dos homens quererem encolher a barriga e mostrar os músculos. E ainda por cima bronzeados antes do tempo...

    

     Não entendo mesmo estes adultos. Espero bem que o meu Zéquinha não seja assim, porque mesmo com barriguinha eu gosto dele. E este ano é que vai ser, pela primeira vez juntinhos durante uma semana inteira. Uau!... Já quase sinto saudades de quando ela acabar. Ai, ai, ai...

 

Lisboa, 12-.05-2003

 

Ovos de Páscoa

 

     Estive a fazer uma pesquisa na Nete, para ver como é que tinham inventado os ovos da Páscoa. Então, fiquei a saber que vem da China, desde há muitos séculos. Parece que embrulhavam os ovos com cascas de cebola e coziam-nos com beterraba. Blag... Quando ficavam prontos, apresentavam a casca mosqueada (não sei que é) e eram oferecidos como presente na Festa da Primavera. Este costume veio para o Egipto e depois para a Europa e para todo o Mundo. Felizmente que hoje, os ovos são bem mais saborosos, pois são se chocolate e são todos pintados por fora e ficam muito coloridos.

           

     Eu gosto muito de comer ovos de Páscoa, porque sou gulosa, mas depois, quando me vou pesar na balança da casa de banho é que são elas. E fico a pensar que o Zéquinha vai logo dizer que tenho o rabo gordo. Ele não diz, porque já sabe o que lhe acontece, mas ás vezes apetece-me dar-lhe mesmo uma estalada só por pensar que ele está pensando nisso. Ou então quando ele diz: “Tens um rabo muita giro!”. Aí hesito sempre, porque não sei se ele está a sério ou a gozar comigo.

           

     Esta Páscoa, na minha Escola, vamos levar ovos de chocolate e papel prateado para pintar e embrulhar depois nos ovos. Acho que vou pintar umas imagens da guerra no Iraque e a cara do Bush, com os bigodes do Sadam. Não sei porquê, mas não gosto de nenhum deles. São feios e maus e só gostam de matar pessoas e coitados dos soldados e das famílias que ficam sem os filhos. E também dos adultos e crianças que morrem sem ter nada a ver com a guerra ou que ficam ainda mais pobres e com fome.

           

     Aiii... Estou farta de ver esta guerra na televisão! Por este andar, nem eu nem o Zéquinha vamos ter paz nem sossego para namorar. Ele até está muito preocupado, porque acha que quando for mais grande o Durão Borroso o vai enviar para a guerra e vai morrer e nunca mais me vai ver. Tadinho! Disse isso de uma maneira tão querida que fiquei mesmo toda derretida e... Bem, deixei-o dar-me muitos beijinhos. Ai, ai, não digo mais nada, que estou toda coradinha...

 

Lisboa, 27-03-2003

 

Não quero casar

 

     E não é que o estúpido do Zéquinha não foi capaz de me dar uma prenda nem sequer um beijinho no dia dos namorados? Fiquei fula, fula, capaz de lhe arrancar aqueles olhos de cherne como os dos peixes do supermercado que dizem que são frescos do dia. Quando mandei vir com ele ficou a olhar para mim feito mais parvo ainda do que é e depois sentou-se na beira do passeio com a cabeça nas mãos como aquela estátua que chamam do pensador, acho eu. Nem sei em que é que ele ficou a pensar, que não fiquei lá para saber, nem me interessa. Era o que faltava depois do que ele me fez! Só se fosse para o azucrinar ainda mais e lhe chamar outra vez todos os nomes que sabia e alguns que fui inventando para ele perceber que é mesmo um parvalhão.

     

     Depois de muito pensar, tomei uma decisão adulta. Vou acabar com este namoro e não quero mais namorado nenhum. E nunca me vou casar, porque acho que se ficar solteira, além de não ter de aturar nenhum homem também não tenho de ficar xateada com coisas banais e estúpidas. Nem ficar com pena das pessoas depois de as desancar como fiz com o Zéquinha. Chuif!...

           

     Pronto, não quero falar mais do assunto, depois logo se vê o que acontece. Agora queria era falar da Guerra do Iraque. Aquele homem do bigode, o Sadam, é um tipo mau, pelo menos tem cara de bandido ou então não é fotogénico na televisão. Mas o Bush, que é presidente dos Estados Unidos, também não me parece grande coisa. Além disso é um bronco e acho que o meu pai tem razão quando diz que é uma vergonha para um país ter um presidente assim, ainda por cima porque teve menos votos que o seu rival, o Algoro, que parecia mais simpático pelo menos.

    

     Lá porque o homem (o Bush) tem o exército mais bem equipado do Mundo não está certo que ande para aí a atacar quem quiser e lhe apetece, só para lhes roubar o petróleo. E também não está certo que o nosso primeiro ministro vá atrás dele, fazer não sei o quê, porque nem exército nem dinheiro tem. Só se for por ter estudado nos Estados Unidos e dever algum favor a eles. É o que diz o meu pai, que deixou de comer cherne há mais de um ano. Ainda não entendi porquê e o que é que isso tem a ver com a política, mas ele (o meu pai) está furioso. Disse também que o Presidente está conta a guerra e até o Papa. E que isto estava a precisar era de outro 25 de Abril. Também não vejo qual é o desespero, porque até já está perto. É só esperar mais um bocadinho...

    

     Nem sei porque estou a falar disto, porque não entendo nada de política, mas apeteceu-me, porque tou cá com uma raiva do... Sei lá contra quem! Talvez seja mesmo ainda com o Zéquinha. Aquele palerma não podia ter-me feito uma coisa destas... Pronto, vou esquecer tudo, mas garanto que nunca me hei-de casar! Ai, ai, estou tão amargurada...

 

Lisboa, 10-03-2003

 

Dia dos Namorados

 

     Ai, o dia dos namorados!... Será que o Zéquinha me vai dar um presente? Eu tenho um preparado para ele, que não digo o que é, mas só o vou dar se ele me der primeiro. Mas acho que não vou levar nada, porque ele é um bocado forreta. Deve sair ao pai dele, que só lhe compra uns sapatos novos quando os velhos já estão cheios de buracos.

    

     Mas mesmo que seja uma flor roubada do jardim público, que fica em frente à escola, eu já fico contente. Então vou-lhe dar... Não, não digo! E se outro rapaz me der um presente ou me mandar um cartão? O que é que eu faço? Só gosto do Zéquinha, mas... Sei lá o que vou fazer... Se calhar vou fazer-lhe ciúmes. E se ele fica chateado e nunca mais me levar a pasta? Ai, ai... Não sei mesmo o que fazer.

     

     O melhor é começar a dar-lhe a entender que tem de me dar uma prenda. Mas assim ele fica a pensar que somos mesmo namorados... E ainda não somos, acho eu, porque ele nunca me pediu namoro. Mas leva-me a pasta e às vezes até me dá a mão. Ah, também já me deu alguns beijinhos... Mas não sei se isto é um namoro. Não tem de se dizer que é? Sei lá, se calhar é melhor perguntar à minha mãe, mas já sei que ela vai contar ao meu pai e ficam os dois a rir meia hora pelo menos e eu toda vermelha e envergonhada.

    

     Estou bué de confusa. O melhor é não dizer nada a ninguém e esperar que o Zéquinha se lembre do dia dos namorados. Mas também se não me der nada eu amuo durante uma semana e também não lhe dou o cartão com um coração que fiz para ele... Epá, agora já disse. Também não faz mal e se querem saber mais também lhe dou beijinhos e pronto!. Ai, ai, será que ele me vai dar mesmo uma prenda?       

Lisboa, 10-02-2003

 

Não sei não...

     O meu Natal foi bué de chato... E pior ainda foi a véspera da passagem de Ano. Acham que estou a brincar? Pois fiquem sabendo que mais valia ter ido para a terra do meu primo em vez deles virem cá e ficar por lá sem sair de casa. Não acreditam? Então vou contar...

           

     Primeiro o Natal, que foi mesmo um porcaria, porque não tive os presentes que tinha pedido ao Pai Natal. Deram-me uma Barbie em roupa interior, aquela que acabou de sair, e um Ken todo vestido. Acho que deviam ter feito ao contrário ou também podiam ter posto o Ken em cuecas, sempre era mais giro. Além de não ter recebido o que queria, acabei por ficar só com o presente do Ken, porque o meu primo disse que gostava muito da Barbie e eu dei-lha antes que o rapaz morresse com algum ataque de nervos, porque estava sempre a mexer nela e a tentar tirar a pouca roupa que ela já tinha. O pai e a mãe dele é que não gostaram muito, porque acham que rapazes não devem brincar com bonecas, que é coisa de meninas. O pai dele até disse que se calhar era melhor eu também lhe dar uns vestidos, para ele se sentir mais feliz. Mas tudo acabou em bem com a minha tia a dizer que o meu tio também tinha brincado com bonecas, embora fosse mais para as desmanchar aos bocados... E todos riram muito e eu fiquei sem entender porque é que o meu tio já era tão bruto ainda em pequeno.

           

     Depois do Natal eu e os meus pais fomos para a Serra da Estrela para passar o ano, sem os meus tios e primo que foram para a casa deles, o que se calhar prova que não são tão parolos assim. No dia 31, como tinha nevado muito, o meu pai quis ir para o meio da neve fazer esqui. A minha mãe e eu, como não sabemos esquiar ficámos só a escorregar por ali abaixo em cima de pranchas, mas caíamos sempre ficando com o rabo a arrastar sobre a neve. Então o meu pai ria e gozava dizendo que aquilo não era squi mas scu. Também não riu lá grande coisa, porque se armou em vedeta e quis mostrar como se esquiava a sério. Eh, eh... Agora dá-me vontade de rir, mas na altura eu e a minha mãe bem desejámos comer as passas no Algarve. O meu pai começou a descer por ali abaixo e virou na direcção de uma árvore. Toda a gente começou a gritar para ele se desviar, mas nada. Foi mesmo a direito e PUM!

           

     A passagem de Ano foi no Hospital. Até tinham lá aquela bebida que faz sair bolhas pelo nariz, que se chama Xampanhe. Mas o meu pai não pode beber nem comer nada coitadinho. Tinha uma perna engessada e pendurada e os braços e a cabeça cheios de ligaduras que mais parecia uma múmia do Egipto. “É a maldição da múmia”, disse a minha mãe, chateada que nem o peru do Natal antes da ceia, porque ela bem tinha avisado o meu pai para não se meter em aventuras, porque já não tinha idade para isso.

    

     Agora já estamos todos em casa, mas o meu pai ainda anda de muletas e não pode trabalhar nem fazer nada. Só resmunga e resmunga e a minha mãe diz que já não tem paciência para gente que não tem juízo. Ai, ai, este começo de ano não está lá nada bom e não me parece que venha a melhorar tão cedo. Não sei não...

 

Lisboa, 06-01-2003

 

 

2002

 

É Natal... que se lixe!

 

     É quase Natal e vou ter muitas prendas, acho. Pelo menos fiz um rol de coisas giras que quero que o Pai Natal me dê. Escrevi-lhe já o mês passado, que é para ele ter temp de comprar todos os presentes antes que se esgotem nas lojas. Em letras muito gordas disse-lhe que me tinha portado muito bem, tinha tido boas notas e até tinha tentado aprender a tocar violino, que gostava muito dos meus pais e mesmo do meu primo Aldemiro, o tal que nos veio visitar no mês passado. Sou muito boazinha, disse eu no final da carta, que eu também sei destas coisas de marquetingue, para o Pai Natal ficar mesmo convencido.

 

     Ah, ah... Acham-me tolinha? Sou criança mas não sou burra. Sei muito bem que o Pai Natal não existe e que são os meus pais a comprar os presentes. Mas como eles falam sempre que ele vem pela chaminé e como nós vivemos num apartamento que só tem um exaustor, que tem por trás um buraquinho que nem dá para o braço do velhinho, descobri que era um truque para eles não me oferecerem todas as coisas que eu queria. Acho que eles não são lá muito criativos, se tivessem dito que vinha pela janela ainda hoje era capaz de acreditar que era verdade. Mas, como me dá jeito, faço de conta que acredito e um berreiro danado quando não me dão os presentes todos que pedi. Claro que o Pai Natal é que paga as favas, mas com este truque vou aumentando o número das coisas que quero em cada ano.

    

     Mas este ano usei um truque novo. Sublinhei todas as prendas que considero indispensáveis, ordenando a listas por prioridades, como aprendi na escola. Depois pus uma nota a dizer que o Pai Natal se livrasse de não me dar, pelo menos, os presentes sublinhados, ameaçando que nunca mais ia acreditar nele nem nas renas nem no seu “Oh, oh, oh...”. E que me ia portar muito mal e ter notas péssimas e chorar todos os dias quando chegasse a casa e pela noite fora e que nunca mais ia dar beijinhos nem ao meu pai nem à minha mãe. Eh, eh... Quando dei a lista ao meu pai ele ficou com os cabelos dos lados da cabeça em pé, porque por cima já quase não tem nenhum. Esfregou a careca com a mão e foi a correr ter com a minha mãe. Não sei o que disseram, mas quando voltaram estavam de trombas. Vamos lá ver no que isto vai dar...

           

     Agora estou é preocupada com as guloseimas do Natal e do fim do Ano. É que estou um pouco gordinha e devia fazer dieta, mas tenho tanta fominha que não sou capaz de deixar de comer sempre muito e sobretudo as coisas mais doces. Outro dia, o palerma do Zéquinha chamou-me de gorducha... Pimba! Levou cá um chapadão que deve ter ficado com os ouvidos a zunir mais de meia hora. Mas, a verdade, é que ele até tem uma certa razão, devia mesmo fazer dieta, mas não sou capaz. E afinal, é Natal... que se lixe!

           

     Bom Natal e Feliz Ano Novo para todos os meus leitores. Chuac!

 

Lisboa, 17-12-2002

 

Parabéns e Adeus!

 

     Não devia dar parabéns ao dono deste sítio, que me anda sempre a xatear a moleirinha, mas vá lá. Então, parabéns pelo primeiro aniversário da sua página e que continue sempre a fazer coisas bonitas. Como presente, fiz uma data de bonecas e bonecos para por no meios das minhas redacções. O do meu primo, que é o primeiro, está quase igual a ele... eh, eh... Perem lá, eu não sou como aqueles desenhos das bonecas, até sou mais bonita, mas foi o que saiu que não tenho muito jeito para o desenho. A professora outro dia até me disse que aquela natureza morta estava mais que morta há uma data de anos. Não entendi nada, lá por estar um bocado atrofiada não era caso para isso. Também não sei qual é a piada em estar a copiar a plantinha que está à janela da sala de aulas...

           

     Fartei-me de rir com o Ambrósio e não é só pelo nome e por causa dos “mon cherie”. É que ele, quando estava a desenhar a plantinha, esticava o braço com o lápis na mão e um olho fechado e punha a língua de fora, todo torcido para tirar as medidas. Não vi o desenho dele, mas deve ter ficado meio de lado... eh, eh... Eu até lhe disse; “Ó Ambrósio estás a fazer algo de muito especial?” Ele atirou-me com a caixa dos lápis de cor e a sôtôra deu-nos um sermão e mandou-nos escrever 100 vezes: “Não se deve gozar os colegas nem atirar coisas dentro da sala de aulas.”. Foi muito chato, porque cheguei atrasada a casa e não pude ir com o meu pai buscar o meu primo que vinha da terra dele passar o fim de semana com a gente.

           

     Ele é muito patusco, gordinho e muito envergonhado. E veste de uma maneira esquisita. Coitado, quando fomos ao Colombo com ele o rapaz ia morrendo de ver tanta gente ao mesmo tempo e tantas lojas e coisas para se comprar. A minha mãe, que tem a mania que é intelectual e lê os livros de um tal senhor Saramago, disse que estávamos na Catedral do Consumo. O meu primo ficou muito admirado e quis saber onde é que diziam a missa, porque não via nenhum altar... Ai, ai, o que me fartei de rir. O meu pai deu-me um apertão no braço e disse para a minha mãe que era no que dava por-se a dizer asneiras e explicou ao meu primo que aquilo era uma maneira de dizer que era apenas um centro comercial muito grande, onde vinham muitas pessoas e que até também tinha lá uma pequena igreja, com altar, padre e tudo. E não é que o meu primo quis ir lá fazer umas rezas?

           

     Este rapaz é meio esquisito. Ao jantar fechou os olhos e benzeu-se, mas não lhe serviu de nada, porque assim que provou o soflé de caranguejo deu-lhe um engulho e atirou tudo para cima da mesa e do meu pai e ficou tudo sujo. Então ficou todo vermelho e começou a chorar. Tadinho, tive tanta pena dele. Deve ter sido uma espinha do caranguejo, não sei. Ou se calhar não gostou. Como o soflé ficou todo vomitado, a minha mãe foi fazer uma bifana de porco para ele e um cachorro quente para mim. O meu pai é que já nem quis mais nada e foi tomar um duche sempre a resmungar com o raio do puto e a família da minha mãe. A minha mãe nem respondeu, disse que já conversava com ele mais tarde... Ai, fiquei logo a pensar que era melhor meter os tampões da natação nos ouvidos, porque assim que o meu primo adormecesse ia começar a discussão. Só que desta vez não discutiram e tive de usar os tampões na mesma, mas não me valeram de nada porque o meu primo ressona que nem aquele senhor do Big Brother de que já falei. Não dormi nadinha a noite inteira e acordei com uma dor de cabeça pior do que a que tive quando bati com ela nas portas de vidro da garagem do Colombo que devia ter o cérebro electrónico avariado... Avariada já estou eu e não me apetece continuar esta porcaria de redacção. Parabéns outra vez e, como diz aquela senhora mal educada do Elo Mais Fraco, Adeus!

 

Lisboa, 12-11-2002

 

Não quero e não quero

 

     Não quero e não quero aprender mais música e muito menos a tocar violino. Que mania a dos meus pais me porem numa escola de música... “Para ocupares o teu tempo livre, filha. E pode ser que até tenhas jeito e venhas a ser uma Vanessa May ” – disseram. Sei lá quem é a Vanessa Mãe! Nem quero saber. E acham que tenho tempo livre? Quase nenhum. Quando não escrevo, vejo os desenhos animados, filmes de acção, telenovelas, o Big Brother, moda e mais uma data de coisas.

    

     Gosto muito de ver moda, que é para ver como vou vestir quando for grande. Mas não sei se daqui a uns anos as pessoas ainda vestem roupa, porque outro dia vi um desfile da senhora Fátima Lopes e elas estavam mais despidas do que vestidas. Deve ser por causa da crise do orçamento. O meu pai diz que gosta muito de ver moda também. O que não percebo é dizer à minha mãe que nenhum vestido lhe ia ficar bem. Ela até é magrinha e faz dieta e come iogurtes Danone...

           

     Também gosto de ver o Big Brother. Tem rapazes e raparigas muito giros. Mas dos que gostei mais foi da Tia e do Nuno Homem. Bem, estes já não são muito novos mas também são muita giros. Ela sabe tudo e ele manda vir com tudo. Fartava-me de rir, ao ver aquelas cenas dentro da casa e mais com a Teresa cá fora e as pessoas do estúdio e as que eram entrevistadas. É muito mais engraçado que ver um filme cómico e do que aprender música e tocar violino.

    

     Estou farta de solfejar... dó, ré, mi... e por aí acima. É a mesma cantilena todos os dias, que até fico meia zonza. E depois já nem sinto os dedos da mão esquerda de tanto espremer as cordas do violino. E tenho cãibras no braço direito de andar com a porcaria do arco para cima e para baixo, sempre a dar as mesmas notas. Notas não, que aquilo não é música é uma chiadeira insuportável, que até o cão de uma senhora que leva o filho à escola se põe a uivar feito maluco. Até a professora disse à minha mãe que se calhar era melhor ela pensar em me comprar um órgão electrónico pelo Natal... Não percebi nada, mas da conversa que ela teve com o meu pai não me parece que comprem nada. Eu também não quero. Não quero e não quero mais mesmo!

 

Lisboa, 3-10-2002

 

Eu sei lá...

 

     Eu sei lá sobre o que hei-de falar. Esta coisa de ter prometido escrever para o sítio do amigo do meu pai já está a chatear-me. O senhor Editor está sempre a telefonar cá para casa a perguntar por uma nova redacção. Mal tenho tempo para estudar quanto mais para escrever redacções... Ora bolas! Até me apetece ser mal-educada e chamar-lhe coroa e fatela, mas não digo nada de feio, para não ter que aturar depois os meus pais a chagar-me a moleirinha...

            A

     Acabei tudo com o Zéquinha, porque andava a fazer olhinhos bonitos a uma lambisgóia que é conhecida pela Maria das canetas tortas. Que lhe faça bom proveito, que eu já estou noutra. Agora engracei com o Tiago, que é filho de um senhor muito importante, administrador de uma empresa pública. Como o meu pai diz, nos tempos que correm é melhor a gente se precaver e jogar pelo seguro. Não sei bem o que isso quer dizer, mas como o deixam vir estudar comigo aqui em casa deve ser porque gostam dele. Só que a minha mãe vem ao quarto de cinco em cinco minutos perguntar se está tudo bem. Às vezes acho que os adultos ficam malucos a partir de certa idade...

    

     Outro dia, o Tiago lanchou comigo. A minha mãe fez um lanche especial e ele gostou muito. A mãe dele é que não ficou lá muito contente, porque telefonou para cá e depois de ele dizer que estava a lanchar ouvi-a gritar do outro lado: “Ó Tiaguinho, olha a tua dieta... Não comas nada com açúcar, ouviste?”. Até parece que o rapaz está gordo, coitado. Bom, é um bocadinho para o cheio, mas não é gordo. Ele diz que tem uma constituição óssea muito larga e que até mostrou os músculos. Duas batatas, disse ele, mas eu só vi duas batatinhas nos braços. Acho que não devia ter feito ginástica nesse dia.

           

     Depois fomos dar um passeio no jardim em frente da minha casa e jogámos um bocado à bola. Até que ele se estatelou no chão e sujou os calções. Ficou muito aflito e a choramingar, porque a mãe lhe ia bater. Fiquei com tanta peninha dele que o abracei e dei-lhe um beijinho. Nisto, apareceu um cão de um vizinho, sem trela, da marca bull dog, que se atirou a nós e rasgou-me o vestido e a ele os calções. Ficámos os dois tão assustados que começámos a gritar por socorro e a chorar muito. O dono do cão agarrou-o logo, senão íamos direitinhos para o hospital. O homem pediu muitas desculpas e disse que ir falar com os meus pais para pagar os estragos.

           

     Estragado ficou o nosso passeio com este desastre. Coitado do Tiago, quando chegou a casa naquele estado, a mãe, além de lhe dar uma boa sova, ainda deve ter pensado que a minha casa ficava num bairro da lata e proibiu-o de vir estudar comigo, porque ele nunca mais se aproximou de mim. Ainda estou a ver o meu pai, à hora do jantar, quando a minha mãe voltou a falar, pela centésima vez no assunto: “Pois... e lá se foi o seguro de vida.”. Palavra de honra, acho que o meu pai é agente de alguma companhia de seguros nas horas vagas...

           

     Beijinhos. Adeus!

 Lisboa, 08-10-2002

 

Primeiro dia de aulas

 

     Hoje foi o meu primeiro dia de aulas. Uma maçada, porque já me tinha habituado ao bem bom. Ver de novo os professores, com a mesma cantilena de sempre, blag... Os colegas, falando das férias e dos sítios giros e muito caros onde estiveram com os pais, cada um inventando o lugar mais esquisito para fazer inveja aos outros, blag... Ficaram de boca à banda quando eu lhes disse que não tinha estado só no Algarve, mas também duas semanas em França e ainda por cima fiz figura com nomes como Saint Malô, Mont Saint Michele e Finisterra, lugares que nem sabiam que existiam. Fiquei a gozar a ignorância, mas a verdade é que já não tenho paciência para estas coisas, ainda bem que é só uma vez por ano.

           

     A única coisa boa foi mesmo reencontrar o meu Chiquinho. Que saudades já tinha da sua carinha de bebé bolacha. Agora até já tem uns pelinhos no bigode, mas está mais magro, coitadinho, acho que passou fome nas férias. Contou-me que tinha ido à Tailândia e que não tinha gostado da comida de lá. Pudera, também os pais são uns unhas-de-fome, só compram as coisas mais baratas, mesmo que não prestem... Há lá tanta coisa boa para se comer, que eu também já estive no Sião, mas como o meu pai gosta muito de comer, havia sempre lagosta, camarões, peixes grelhados, sopa de tubarão e até um arroz delicioso servido num ananás. O Chiquinho quase só comeu hambúrgueres de minhocas, aqueles do MacDonalds, e mais umas porcarias de comidas ocidentais, porque os pais dele além de forretas não gostam de comidas esquisitas, como eles dizem. São mesmo estúpidos. Pobre Chiquinho.

           

     Como era o primeiro dia, o senhor padre da Religião e Moral, a que eu vou porque a minha avó obrigou a minha mãe a inscrever-me, embora o meu pai tenha dito que era uma estupidez porque nem sequer eram casados pela Igreja, mas que como não estava para se chatear, tudo bem para ele. Para ele, claro, porque sobra é para mim. Mas como o Chiquinho também lá está, vou suportando. Ah, mas ia falar do que o senhor padre tinha dito. Armou-se em político, imaginem, falou mal de tudo, do Senhor Durão, da Senhora Ferreira Leite e até do querido Paulinho. O Senhor Portas, pois, de quem eu gosto muito e as senhoras das praças também. Ele é tão giro, pena que o Xiquinho não seja tão bonito e não tenha aquele ar decidido... ai, ai. Mas não querem lá ver que o homem, o senhor padre, disse que ele se devia demitir porque não tinha moral para estar no Governo, porque tinha feito asneiras modernas de mais e não tinha pago os impostos em tempo devido. E como enquanto tinha sido jornalista tinha feito a vida negra a muitos políticos por coisas de menos importância, então agora, como Ministro, tinha de ser coerente e ir embora. Eu cá não acredito em nada disso. Um homem assim, tão giro, não deve ter feito nada de mal.

           

     Na aula de Ciências Naturais, a sôtôra falou dos órgãos de reprodução do homem e da mulher. Até se via a pilinha no desenho do homem e a coisinha no da mulher. É uma coisa natural, porque cá em casa o meu pai e a minha mãe andam nus depois do banho. Só estranhei foi o Chiquinho ter olhado para mim, com um sorriso meio bobo e um olhar tão esquisito que até senti um arrepio na espinha. Aquele rapaz veio meio estranho das férias, deve ser ter ficado com alguma minhoca atravessada... Adeus!

 

 Lisboa, 22-09-2002

 

O Sexo dos Anjos

 

     Não devia escrever mais nada para este sítio, mas o Senhor Editor pediu desculpas e como eu não sou de guardar zangas aqui estou de novo, com uma nova redacção.

    

     Fui visitar a Igreja da Quarteira, aquela que tem um ninho de cegonhas mesmo no alto da torre. E lá estavam a cegonha e o cegonho com os filhotes, todos a olhar cá para baixo a verem as pessoas a passar. Se calhar estavam a divertir-se a ver as pessoas com cara de palermas a olhar para elas. Deve ser por isso que fazem os ninhos sempre em sítios muito altos...

    

     Mas eu queria era mesmo falar dos anjos, porque ao entrar na igreja e ao ver os altares perguntei à minha mãe se aquelas estátuas eram de homens ou de mulheres, ao que a minha mãe respondeu que os anjos não tinham sexo. E como ela não explicou mais nada, porque estava lá um senhor padre que pôs um dedo à frente da boca e disse meio chatiado “silêncio”, eu fiquei a pensar comigo mesma e a ver melhor os anjinhos de madeira.

           

     Então cheguei à conclusão de que como são estátuas e não são pessoas não lhe põem as coisinhas, como fazem também com os manequins que eu já tenho visto sem roupa nas montras. Claro que eu entendo que na igreja não podiam por os anjinhos nus, mas se estivessem devia ser igual. É como a Barbie e o Ken que também não tem nada por debaixo da roupa, por isso é que ainda não tem filhos, porque assim ele não pode por a sementinha nela e se ele não põe não há bebés.

    

     Sei isto tudo porque a minha mãe já me explicou, por isso é que já não acredito que os bebés são trazidos de França pelas cegonhas. Era o que faltava, elas terem de ir da Quarteira a França e voltarem com os bebés das pessoas e deixarem os filhotes sozinhos...

    

     Agora acho que já entendi porque é que os anjos não tem sexo, é porque são feitos por pessoas em madeira, mas também podem ser feitos de barro e loiça ou de plástico, como a Barbi e o Ken e os manequins das montras. E também como o Pinóquio, que foi feito em madeira pelo Senhor Gepeto. Outro dia uma amiga enviou-me um mail sobre o Pinóquio que era uma piada ao nariz dele que, como toda a gente sabe, cresce quando diz mentiras. Só não entendi porque a boneca, que eu não sei de que era feita e que estava sem roupa, estava a dizer para ele: “Mente mais, Pinóquio, mente mais!...”

 

Quarteira, 09-08-2002

 

Férias em França

 

Dia 1

 

     Olá. Cheguei de férias e vou falar dos dias que passei em França. Não tomei muitas notas, por isso não sei se me vou lembrar de tudo. Andei tanto e vi tantas coisas que acho que já esqueci metade delas. E também cheguei muita cansada, não sei o que isto vai dar, mas vou tentar...

  

     Na verdade, íamos para o Luxemburgo visitar uma irmã do meu pai que trabalha num hotel, mas acabámos por ir parar a Nantes, a casa do meu tio Luís, que é também irmão do meu pai. A minha mãe queixa-se que nunca visitamos a família dela e que tem de fazer sempre a

a... vontade ao meu pai. E ele diz que já lhe chega passar o Natal com eles, naquela terra com nome esquisito e que nem sequer vem no mapa e que são todos uns tesos e sem cultura nenhuma. Então a minha mãe responde que ele tem razão e que os irmãos dele é que são cultos, porque a irmã trabalha na limpeza de um hotel e o irmão é pedreiro e nem casa em Portugal tem e que cada vez que lá vamos é um desastre, é só música pimba e não falam francês nem português. O meu pai amua e vai para o computador. Mas estas zangas já eu contei, agora vou voltar à viagem.

  

    Quando chegámos a Paris e estávamos à espera do avião para o Luxemburgo, houve um senhor, de nome Kilas ou assim parecido, que se esqueceu de uma mala verde junto da máquina que vê as coisas que estão dentro dela. Chamaram e voltaram a chamara pelo homem, durante mais de meia hora, mas como ele não aparecia, os senhores do aeroporto pensaram que podia ter uma bomba e mandaram toda a gente para longe da mala e ficámos todos à espera num canto do aeroporto. Então, de repente, ouviu-se uns apitos e um bum muito grande. Eu fiquei com medo e desatei a chorar e as pessoas ficaram todas muito aflitas. O meu pai disse que não tinha sido bomba, que tinha sido o robot da polícia que tinha rebentado com a mala, porque se fosse bomba tinha havido uma explosão muito grande e os vidros tinham ficado todos partidos. Eu não sei porque não vi nada e estava no meio das pessoas grandes e ao pé de um cão que fez xixi no chão. Deve ter sido do susto, tadinho

Depois passámos de novo pelo lugar dos polícias que apalpavam toda agente e até queriam abrir o meu ursinho de peluche, mas como eu chorei e griteimuito e chamei-os de maus, eles só o apertaram, mas ele ficou todo amachucado.O pior foi quando chegámos à porta por onde se entra para o avião, onde umamenina muito simpática disse que o avião já tinha saído. O meu pai ficoufurioso e acho que disse uma data de palavrões à rapariga, porque ela ficoutoda vermelha e chamou um senhor com camisa branca e com divisas que levou o meupai pelo braço e ficou a conversar com ele durante uns minutos longe da gente.Depois, só entendi que já não íamos para casa da minha tia mas sim para casado meu tio Luís, porque o meu pai disse que já lhe tinha telefonado e haviaavião para Nantes daí a meia hora. A minha mãe respondeu que seca por secatanto lhe fazia, mas como nunca tinha ido a Nantes, que sempre ficava a conheceralguma coisa da Bretanha. Acho que a minha mãe não sabe muito de geografia,porque na escola aprendi que a Grã Bretanha é assim quase o mesmo que dizerInglaterra e é um país e não fica em França.

  

    O tio Luís estava à nossa espera em Nantes, ele tem uma barriga grande e um bigode enorme, não sei como é que ele consegue comer. A mulher também é gorda e cheia de jóias, assim não devem poupar muito para a casa em Portugal. E não disseram Nantes, mas Nante, o que me fez confusão, mas a minha mãe explicou-me que os franceses comem os esses e os tês, como quando dizem Saint, que é Santo, dizem só San... Fiquei a pensar que devem ser meio mandriões, porque nem dizem as palavras por inteiro. A casa do tio Luís é mais pequena que a nossa e é arrendada, disseram que é porque ali as casas são assim e

não vale a pena comprar porque vão regressar a Portugal um dia destes e então ter uma casa melhor. A minha mãe não disse nada, mas acho que estava a pensar que se algum dia tivessem casa em Portugal havia de ser igual à do outro tio, o tio Manuel, que também teve em França e fez uma casa toda de azulejos às cores, que a minha mãe diz que é a coisa mais feia que já viu na vida dela.

  

     E pronto, hoje não escrevo mais nada, porque já estou com o pijaminha vestido e quero é ir para a cama, com o meu ursinho. Depois eu conto mais.

 

Dia 2

 

     Neste dia passeámos muito pela cidade, no Le Tram, que é uma espécie de Metro em cima do chão, com vai ser o do Porto, acho. Até vi o castelo dos Duques da Bretanha. Afinal a minha mãe sempre tinha razão, porque chamam Bretanha a esta zona da França. O

castelo era muito bonito, só o nosso duque é que nem sequer tem castelo e ainda quer ser rei. Eu escrevi esta frase porque foi o disse o meu tio Luís, mas não entendi muito bem o que ele queria dizer, porque nem sabia que havia um senhor em Portugal chamado Duque e que queria ser rei. Só conheço o Rei dos Frangos nos Restauradores, onde vamos jantar às vezes e gosto muito.

    

     Nantes é uma cidade muito bonita, com edifícios muito giros, alguns muito antigos e com um rio com muitos barcos e patos. Fomos ao Museu Júlio Verne, que gostei muito porque já conhecia os livros dele, que a minha mãe disse para eu ler. Também gostei do Museu de Belas Artes, onde tinha uma exposição do senhor Picasso, mas não sei se gostei muito das pinturas dele, acho que ele não desenhava lá muito bem, porque até tinha um retrato de uma mulher com o corpo de um lado e cabeça do outro, mas a minha mãe explicou-me que tinha sido uma pessoa muito importante. O meu tio Luís é que disse que não tinha gostado e que até ele era ele capaz de fazer aquelas maluquices. A minha mãe ia tendo um ataque de nervos, não sei porquê, mas o meu pai fez-lhe uma festinha na cabeça e ela ficou logo bem.

À noite fomos jantar a um restaurante marroquino, onde comemos cús cúse outras coisas que já não me lembro. Nem queria acreditar que aquela comidase chamava assim, mas lá comi um bocadinho. Depois é que foi uma grandeconfusão, porque as ruas estavam cheias de gente, porque era o dia da Festa daMúsica. Havia bandas e aparelhagens quase umas a seguir às outras e muitobarulho. As pessoas estavam com copos de cerveja na mão e dançavam e cantavamno meio da rua e não deixavam passar ninguém. Disse o meu tio que toda a gentedevia ter saído de casa nesse dia e até vindo dos arredores da cidade e quehavia ali pessoas de todas as parte do mundo.

           

     Quando já estávamos a chegar ao parque do estacionamento do carro, uma coisapicou-me a cabeça e eu ia morrendo de susto quando me voltei. Era uma espéciede pássaro de metal cinzento e enorme, com pernas de pau, parecido com osolharapos da Expo 98. Que mania que têm as pessoas de imitar as coisas que sefazem em Portugal...

 

Dia 3

 

     Neste dia saímos de Nantes e fomos para muito longe. Passámos perto da Cidade das Renas (1) e parámos em San Malou (2). Este nome até me fez lembrar uma rua de Macau, quando lá fui em férias com os meus pais. Se calhar este Santo também andou por lá, quem sabe. Eu fui de avião, mas naquele tempo só se podia ir a pé, a cavalo ou de barco, a que chamavam as caravelas.

    

     A cidade de San Malou é muito bonita, sobretudo dentro do castelo (3), cheia de casas velhas, restaurantes e lojas que vendem muitas coisas e recordações. Em cima da muralha vê-se até muito longe e as gaivotas ficam paradas no chão à espera de comida. O meu pai tentou fotografar uma pertinho, mas ela fugiu, se calhar porque o meu pai não tinha nada para lhe dar de comer. Comemos paelha, que eu pensava que era comida espanhola, mas pelos vistos também deve ser francesa. A minha mãe até disse quer era um pecado não provarmos a comida da região, ao que o meu pai respondeu que tanto fazia, porque o marisco era francês.

    

     Depois fomos até ao Monte de São Miguel (4). É assim como uma ilha com um mosteiro e casas à volta. Mas não é uma ilha, só quando a maré fica cheia. O meu tio foi sempre reclamando de ter pago quatro euros para estacionar o carro e leu no bilhete que não se responsabilizavam pelo carro se a maré subisse e a água do mar o levasse. Fiquei muito cansada, porque subimos muitos degraus até à porta do mosteiro. Depois fizemos uma visita, sempre subindo e descendo  escadinhas, para ver muitas salas vazias, onde era a cozinha, o refeitório, a sala dos julgamentos e sei lá que mais. Parece que aquilo além de mosteiro também foi prisão (5), onde iam parar os senhores maus.

    

     Só não entendo como conseguiram construir uma coisa tão grande em cima de um monte tão alto e como levaram as pedras lá para cima. Mas também fiquei tão cansada que não me apeteceu pensar muito mais no assunto. Como aquele lugar já fica na Normandia, talvez as pedras tenham sido levadas pelo Obélix e pelo Astérix e os homens da sua aldeia, com a poção mágica do druida Panoramix. Estes Normandos são malucos!...

 

Notas do Editor:

(1)  (1) - Rennes, e não consta que algum dia tenha tido renas.

(2)  (2) - Saint Malou.

(3)  (3) - Intra muros.

(4)  (4) - Mont Saint Michel.

(5) - Para saber a história, ver, entre outros, Le Mont Saint Michel, de Lucien Bély.

 

Dia 4

 

     Férias em França (Dia 4)Neste dia viajei tanto que já nem me lembro dos sítios onde estive e vou ter de ver as minhas notas. Vou escrever a redacção com a ajuda do mapa, para não me esquecer de nada e também para não dar trabalho ao amigo do meu pai, o senhor que põe as minhas redacções na página que ele tem na Internet, que não sabia que se chamava Editor e que tem andado a corrigir os meus erros nas redacções anteriores, coisa que até a minha mãe deixou de fazer.

Então é assim. Fomos a Vannes, Quimper, Finisterra e a mais uma data de lugares, sempre a correr para ver tudo e tirar muitas fotografias. Almoçamos numa praia que não encontro no mapa e jantámos em Lorient. E pronto, chegámos a Nantes estafados e cheios de sono.

 

     Gostei muito de todas as coisas que vi. No Norte da Bretanha as coisas estão em duas línguas, francês e bretão. Por exemplo castelo é châteaux e c´hastellòu. Como já disse, jantámos em Lorient, num restaurante chamado Rota das Índias, que tinha uma página inteira da lista das comidas a falar dos portugueses. Fiquei muito contente por os franceses falarem tão bem dos portugueses, mas dos de antigamente, claro.

Porque agora até vão falar mal do meu tio Luís e da tia Filomena, que se xatearam durante o jantar. Acho que eles não conseguem estar mais de cinco minutos sem dizer mal um do outro. E no caminho foi a mesma coisa, até o meu tio ia batendo numa roloute que ia à nossa frente. Os franceses têm a mania das roulotes, até parecem caracóis com as casas às costas.

A noite terminou como quase as outras todas, com o meu tio Luís a tia Filomena a discutirem, para saber que ia levar o cão a passear. Porque aqui toda a gente tem cão e levam-nos a fazer xixi e cocó em cima dos passeios. Não digo que a cidade não seja até muito limpa, mas caca de cão é que não falta por aqui. Ao revoir.

 

Nota do Editor:

A propósito de uma afirmação da Tininha, no início desta redacção, queremos esclarecer que não quisemos, de modo nenhum, corrigir os seus erros, tão só dar ao leitor uma ideia mais exacta e abrangente dos lugares a que aludia. E também sem qualquer intuito de mestre-escola e muito menos de censura. Às vezes a precocidade também comporta alguma arrogância, mas paciência...

 

Dia 5

 

     Devia escrever a minha última redacção sobre as minhas férias em França, mas não vou escrever mais nada, porque estou muito nervosa e... não me apetece!

 

     Lá porque o senhor Editor é amigo do meu pai, não tem o direito, acho, de me pregar sermões. Sei que ainda sou uma criança, quase uma jovem, mas não sou tolinha e muito menos burra. Se o senhor Editor quer dar a conhecer as coisas com ares de doutor que faça isso sozinho e não se ponha a anotar as minhas redacções.

Não gostei mesmo nada das correcções que esse senhor fez e muito menos da última nota (rien de rien), porque foi ele que pediu ao meu pai para publicar as minhas redacções, quando eu estava práqui quietinha a brincar com as minhas bonecas. Ele é que devia me agradecer...

 

     Mas como não quero ser malcriada, não vou dizer mais nada... E pronto. Hoje não há redacção para ninguém e se voltar a haver, que é uma coisa que tenho de pensar ainda muito bem, porque ainda não disse, mas também tenho o nariz arrebitadinho.

 

     Adeus!

Nante, 23-27-06-2002

Nota do Editor:

Esta miúda dá comigo em maluco! Não fosse ela filha de um amigo meu e veria como se resolvem estes problemas... Umas palmadas no rabo nunca fizeram mal a ninguém! Mas pronto, também não sou de alimentar polémicas e esqueço as tolices que ela disse. Se quiseres, podes voltar, Tininha, que prometo não colocar mais notas nas tuas redacções! Ufa!...

 

Jantar VIPE

 

     Ontem fui jantar fora com os meus pais, a um restaurante muita bom. O meu pai disse que, pelos preços, devia ser mesmo Vipe. Não sei o que é, nem me interessa nada, mas pús uma letra grande porque deve ser uma coisa muito importante. Também há pessoas muito importantes, todas vaidosas, que até usam cócó xanel. Eu pensava que era outra coisa, mas a minha mãe explicou-me que era um perfume. Eu gosto de perfumes, mas esse nunca ia usar, acho que deve cheirar mal.

           

     A entrada foi um cavaco. Mas a minha mãe disse que não estava nada fresco e que também já estava fora de moda. Não sabia que também havia a moda dos cavacos. O que gosto mesmo é de ver aqueles senhores todos jeitosos e lindos vestidos pela senhora Fátima Lopes.

           

     Depois do cavaco, ficámos quase meia hora à espera do outro prato, que era cherne. Finalmente abriu-se a porta e lá apareceu um senhor todo delicado, que disse que tinha demorado mais tempo porque tinham mudado todo o pessoal da cozinha e que eles ainda andavam a adaptar-se aos equipamentos e aos lugares dos tachos e panelas.

           

     A minha mãe engoliu uma espinha, sem querer. Engasgou-se e começou a tossir, a tossir que nunca mais acabava. O meu pai ralhou-lhe muito, dizendo que não se devia tossir num restaurante de luxo. Então ela disse que ia tossir para a rua e foi-se embora. E o meu pai deu um murro na mesa, atirando uma data de espinha de cherne para o chão. As outras pessoas ficaram a olhar com cara de zangadas. O senhor delicado disse então ao meu pai que o melhor era acabar  o jantar, por questões de segurança. Não entendi nada, mas o meu pai pagou a conta e saiu todo vermelho do restaurante, tão depressa que quase se esquecia de mim.

           

     Lá fora, estava um polícia ao pé da minha mãe, que continuava a tossir, agarrada a um poste da paragem de autocarro. O polícia disse ao meu pai que era melhor levar a minha mãe ao hospital, porque a avó dele tinha morrido com uma espinha atravessada na garganta. O meu pai disse que sim e fomos todos para o carro. Mas no caminho, a minha mãe disse que já estava bem e começaram os dois a rir, falando do jantar e do nome dos pratos e do senhor delicado e do polícia.

           

     Acho que cada vez estou menos inteligente, porque não percebi nada. O que sei é que nunca mais quero ir a restaurantes de luxo e muito menos comer cavaco e cherne.

 

 Lisboa, 13-05-2002

 

2000

 

O Ginoma

 

     Hoje ouvi falar da descoberta de um coisa muito importante pelos cientistas. Os cientistas descobriram a sequência ginética do cromossoma 22. Como não fazia ideia do que fosse, pedi ajuda à minha mãe e foi ela que disse o que eles descobriram, para eu poder fazer esta redacção. Mas parece que a tal sequência é como um quebra cabeças com mais de dez mil peças e, enquanto o não conseguirem montar, fica tudo na mesma.

 

     Se os tais senhores cientistas conseguirem montar o quebra-cabeças, a medicina pode dar um salto de gigante, é o que diz o meu pai. E isso quer dizer que os remédios passam a ser feitos para cada pessoa. E o que faz bem a mim pode fazer mal à minha amiga Silvana ou mal ao meu amigo Pedro. O senhor da Farmácia tem que ler o meu mapa ginético, para saber como fazer o remédio que me pode curar de alguma doença. Melhor ainda é que o médico, mesmo antes dos meninos e meninas nascerem, pode saber que doenças vão ter e em que idade, o que não me parece nada bem.

 

     Não me parece bem, porque vai deixar sem trabalho muita gente que vive de adivinhar os males das pessoas, como os parapsilógos, e porque os jovens só podem trabalhar se não tiverem doenças até à idade da reforma. O jovem vai à procura de emprego e o senhor da fábrica diz logo: - Mostre lá o seu mapa ginético!... E se o mapa tiver doenças, o jovem fica sem fazer nada. E como não ganha, não pode casar e ter filhos, porque o subsídio de desemprego não chega para alimentar a família. Então vai ficar muita gente sem fazer nada e a taxa de desemprego vai subir. Acho que quem vai ficar mesmo doente são os poucos, que têm um bom mapa ginético, que vão ter de trabalhar para sustentar tantos desempregados.

 

     Mas esta grande descoberta tem coisas muito boas. É que sabendo-se com tanta antecipação as doenças de cada pessoa, deixa de haver queixas nos atrasos dos Centros de Saúde e dos Hospitais. No cartão das vacinas, dos meninos e meninas, pode marcar-se também o dia da consulta ou mesmo da operação que cada um vai ter de fazer daí a dez, vinte ou trinta anos. E também é muito bom para nós, porque ficamos a saber quando vamos adoecer e fazer as contas para os remédios de acordo com o mapa que os médicos fizeram quando nascemos. E é melhor para o Estado e para os patrões, que podem saber quem está de baixa por doença ou por malandrice. Não sei é se vai sobrar gente para trabalhar em Portugal, se até os saudáveis podem apanhar uma doença não mapada, devido à poluição ou aos buracos do ozono.

 

PSD: Acho que esta redacção tem alguns erros, mas a minha mãe ficou tão cansada de me explicar estas coisas que me disse que eu fosse pedir ajuda ao meu pai para corrigir os erros. Ele disse que sim, sem olhar para mim, porque estava a olhar para o computador para uma senhora que estava a tomar duche e que ainda não devia ter jantado, porque faz mal tomar banho depois do jantar. Não percebo porque é que ela toma duche na Internet, mas como sou pequenina há coisas que ainda não entendo. O que já sei é que o meu pai se deve esquecer de corrigir a minha redacção.

Lisboa, 07-04-2000.

 

Carnaval

 

     A minha professora explicou-nos o que era o Carnaval, que antes se chamava Entrudo. Para mim, é um festa em que as pessoas se vestem do que gostavam se ser quando eram pequenas. Põem máscaras para que ninguém saiba quem são e assim podem pregar partidas uns aos outros, sem terem de se zangar. E ficam todos felizes por poderem, pelo menos uma vez no ano, serem diferentes do que fazem todos os dias. Como têm máscaras podem esguichar água e atirar coisas, porque como nenhuma pessoa sabe quem é a outra, não se podem zangar com ninguém.

      

     Nós fomos todos a uma festa no quartel dos Bombeiros Voluntários. Os carros estavam na rua, por isso a sala ficou muito grande e assim cabia muita gente. Eu fui de fada, com uma varinha de condão e um vestido muito comprido, que ficou cheio de confeitos e rasgado porque um menino pôs o pé em cima dele. A minha mãe vestiu-se de Zorro e o meu pai de namorada dele. A minha mãe levava uma capa e um chapéu pretos e uma espada de plástico. O meu pai pôs um vestido da minha mãe, que já era da minha avó, e um xaile negro. Também pôs uma peruca de cabelos compridos e pretos e pintou os lábios com o batom vermelho da minha mãe. Parecia mesmo uma mulher e a minha mãe parecia mesmo um homem. Eu é que fiquei um bocado confusa, porque trocava sempre os nomes quando chamava por eles.

           

     Toda a gente estava muito animada e andavam sempre a levantar-se para ir ao bar ou para dançar. Quando o meu pai ia buscar mais uma cerveja, o chefe dos Bombeiros agarrou nele para dançar. O meu pai não queria, mas a minha mãe disse para o chefe que não fazia mal e ele teve de dançar mesmo até ter pisado o pé do homem, que ficou agarrado ao sapato e caiu no chão. Então o meu pai ficou muito zangado com a minha mãe e ela deu-lhe com a espada. As pessoas bateram muitas palmas, porque pensavam que eles estavam a brincar, mas eu sei que não estavam. Foram-se logo embora e só falaram um com o outro no dia seguinte quando estavam a ver o Carnaval em Alcobaça.

           

     O meu pai estava sempre a olhar para a Tiazinha, que devia estar com muito frio, coitadinha. Como os senhores de Alcobaça não deviam ter muito dinheiro, a senhora estava quase nua e por isso se mexia muito. O João Balão, que anda sempre a dar saltinhos, se fosse um cavalheiro tinha-lhe dado o casacão que levava, mas não deu e a senhora tinha de estar sempre a fazer ginástica para se aquecer.  O meu pai disse que era muito bonita e que tinha uma linda bundinha. Eu não sei o que é, mas parece-me que é uma calcinha pequena, talvez da sobrinha da Tiazinha. Fiquei com muita pena da senhora, por não ter dinheiro nem para as calcinhas nem para o soutien. A minha mãe é que não teve pena nenhuma, porque disse ao meu pai que a bundinha dele devia ser mais bonita ainda, porque até o chefe dos Bombeiros tinha gostado.

           

     Quem não gostou da conversa foi o meu pai, que, muito zangado, me mandou para o meu quarto porque queria ter uma conversa com a minha mãe. Eu fui, mas como sou esperta, fiquei com o ouvido encostado à porta e ouvi o meu pai e a minha mãe a gritarem muito zangados, mas depois não sei o que é que aconteceu. A minha mãe deve ter ficado magoada, porque gemia muito e o meu pai devia estar a bater-lhe, porque lhe perguntava se queria mais. Mas como a minha mãe gosta muito dele, dizia que sim, sim. O meu pai às vezes é mau, mas não entendo a minha mãe que parece gostar de apanhar. E depois foram os dois, muito felizes, buscar-me ao meu quarto e deram-me muitos beijinhos. Ainda bem que ainda sou criança, porque os adultos andam sempre a zangar-se e a fazer as pazes. Mas eu gosto muito dos meus pais, porque eles são muito bons para mim. Só não percebo é porque que é que o meu pai se fantasiou de mulher e a minha mãe de homem, nem porque se zangaram hoje por causa da bundinha da Tiazinha, uma coisa sem importância nenhuma.

  

Lisboa, 06-03-2000

 

Congresso do PSD

 

     Ontem começou o congresso do PSD. O PSD é o partido social democrático. O meu pai disse que quem o fez foi o doutor Caneiro, depois do 25 de Abril. O 25 de Abril foi um dia em que os militares bons saíram à rua para dar pancada nos maus. Como os maus fugiram, os bons puseram um cravo vermelho na algibeira da camisa e nas fardas, porque as flores são uma coisa muito bonita, mas precisam de água para não murchar. Os senhores que as usavam não tinham água nas algibeiras, por isso as flores começaram a morrer e tiveram de ser deitadas para o lixo, aonde foram recolhidas por outros senhores chamados Almeidas.

 

     O chefe do PSD, o doutor Barroço Duro, que andou na escola com o meu pai, era muito inteligente e tinha um olho torto, mas agora parece que ficou com ele direito mas menos esperto, porque leva tareia do senhor Pantana Copes e do doutor Barcos Mentes. Eles eram amigos, mas zangaram-se por causa do futebol, que é um jogo em que os adultos atiram uma bola uns aos outros com os pés, para ver quem é que consegue dar mais porrada no adversário. Quem leva mais perde, mas os outros nunca aceitam a derrota, culpando sempre o Presidente por não ter um apito mais grande. O meu pai diz que o dele é pequeno, mas que apita muito bem e que eu pergunte à minha mãe se eu não acreditar. Só não compreendo é o que o apito do meu pai tem a ver com a política e porque é que ele diz para eu perguntar à minha mãe o que isso tem a ver com o congresso do PSD.

 

Um congresso é um sítio onde se juntam muitos homens e mulheres para comerem e conversar. Comem coisas muito boas e bebem sumos e águas muito saborosos. E ficam muito bem dispostos e esforizantes, por causa do calcário que é um produto que dá boa disposição. Mas não se deve beber quando se guia um carro, porque a polícia não gosta que as pessoas bebam muito, por causa do balão. Quando o balão fica cheio de água fica pesado e não há nada mais triste que um balão que não sobe até às nuvens. Depois de beberem e comerem as pessoas sentam-se em cadeiras num sala muito grande. Em frente das pessoas ficam uns senhores importantes que mandam nas pessoas que estão nas cadeiras. Ao lado dos senhores importantes, há um predestal com umas palavras de publicidade, uma espécie de anúncio, com um microfone em cima, para falarem as pessoas que ganharam um prémio. Quando gostam do prémio, dão beijinhos aos pais e aos amigos, mas quando não gostam, dizem mal de toda a gente e até usam palavrões muito feios.

 

O doutor Barroço Duro disse mal do senhor Pantana Copes e do doutor Barcos Mentes e eles disseram também palavras feias a ele. O senhor que estava sentado no meio dos senhores importantes disse que deviam ser todos amigos, porque eram da mesma equipa e vestiam da mesma cor. Eu compreendi o que ele queria dizer, porque estavam todos vestidos com fatos da mesma cor, mas, como sou esperta, também fiquei a saber que jogam em posições diferentes, porque as gravatas não eram iguais. O Senhor Pantana Copes jogava no ataque e a meio campo, o doutor Barcos Mentes na defesa e também no meio campo e o doutor Barroço no ataque e na defesa, passando pelo meio campo.

 

Eu sou pequena ainda e não percebo muito de futebol, mas achei que esta equipa não jogava muito bem. Mas o meu pai disse que era mesmo assim, que fazia parte da política. Eu acho que o meu pai tem sempre razão, mas fiquei sem saber porque é que eles jogam futebol sem bola, talvez para não sujar os sapatos, sempre bonitos e brilhantes, porque é muito feio ver um senhor importante com os sapatos sujos.  

Lisboa, 26.-02-2000

 

Eu, Tininha

 

Olá! Eu sou a Tininha. Gosto muito de escrever, mas ainda sou pequenina, por isso ainda dou alguns erros, mas a minha mãe costuma corrigir para eu aprender a escrever bem. O meu pai disse-me que eu posso escrever para um sítio de um amigo dele que mora na internet, que tem muitos computadores ligados uns aos outros. Não sei para que é que o homem quer tantos computadores, deve ser porque é rico. O meu pai só tem um e não deixa eu mexer nele ainda, porque faz mal à vista das crianças. É o que ele diz, mas acho que é porque ele quando está em casa não faz mais nada. A minha mãe até diz que ele devia ter vergonha, se não chegava olhar para ela. Também não concordo, porque se o meu pai olhasse para ela tanto tempo como olha para o computador ela também não fazia mais nada e nem jantar havia. Quando ficam assim a olhar um para o outro, mandam-me logo para a cama e eles vão logo para o quarto. Se calhar ficam com sono, não sei.

 

Hoje eles zangaram-se de novo e a minha mãe disse que fosse ele fazer o jantar. Ele foi atrás dela para a cozinha e fecharam a porta. Ele deve ter-lhe batido, porque a ouvi a gemer, mas depois apareceram os dois muito bem dispostos. Não entendo nada das zangas deles, até parece que a minha mãe gosta de apanhar. Quando for grande, não deixo que nenhum homem me bata, vou aprender a fazer karaté.

 

O meu pai é mais velho do que a minha mãe, ele tem 46 e ela 32, por isso é que ela o chama de velho e ele responde que já lhe mostra quem é velho e a minha mãe começa a rir. Então ele põe-se a correr atrás dela até ao quarto e ficam por lá a jogar à apanhada uma data de tempo, é o que eu penso. Mas hoje ela ainda não o chamou de velho, mas mesmo assim acho que apanhou na cozinha. Agora está na sala a ver um telenovela e o meu pai no computador e eu no meu quarto a escrever esta redacção para o sítio do amigo dele. O meu pai diz que depois me deixa ver o que escrevi no computador dele, porque as pessoas podem ler pelo computador o que eu escrevi, mas durante pouco tempo para não fazer mal à vista.

 

E agora vou terminar que tenho de ir fazer ó ó. Prometo que vou escrever outras redacções para vocês poderem ir ler no sítio do amigo do meu pai. Adeus!

 

Lisboa, 02-01-2000

 
 

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